TEMPOS HIPERMODERNOS GILLES LIPOVETSKY

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LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Barcarolla, 201l. 129 páginas. 

O livro é uma introdução ao pensamento de Gillles Lipovetsky, que inclui três capítulos, sendo dois com a visão geral de suas ideias e um com a transcrição de uma entrevista.

Nesta entrevista, Lipovetsky afirma que não tem a intenção de ser normativos em suas considerações, ou seja, estabelecer os pressupostos e regras de delineiam o contemporâneo, nem mesmo de ser propositivo, ou seja, apontar direcionamentos que possam amenizar as muitas tensões com as quais lidamos. Pretende ser apenas descritivo. Gilles Lipovetsky é uma das vozes que tem ecoado muito na filosofia e sociologia ao lado de grandes figuras como Zygmunt Bauman. Nascido em Millau, França, em 24 de setembro de 1944, é um filósofo e teórico da Hipermodernidade, autor dos livros A Era do Vazio, O luxo eterno, A terceira mulher, O império do efêmero, A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo, entre outros.

Em suas principais obras, sobretudo em A Era do Vazio, analisa uma sociedade pós-moderna, marcada, segundo ele, pelo desinvestimento público, pela perda de sentido das grandes instituições morais, sociais e políticas, e por uma cultura aberta que caracteriza a regulação “cool” das relações humanas, em que predominam tolerância, hedonismo, personalização dos processos de socialização e coexistência pacífico-lúdica dos antagonismos: violência e convívio, modernismo e retrô, ambientalismo e consumo exagerado, etc. O autor irá retornar a esse assunto, tratando de maneira mais ampla essas visões da sociedade, ao referir-se à hipermodernidade em “Os tempos de hiperconsumismo”.

No texto em questão ele fala em seu primeiro capitulo do individualismo paradoxal, ou seja, em que a busca pela individualização é em si sintomática da doença hipermoderna. Lipovetsky parece discordar da ideia de pós-modernidade, mas concordar muito mais em uma super evolução da modernidade e seus efeitos multiplicados e patológicos. Ele discute as teorias falaciosas do passado para explicar o contemporâneo. As disputas de classes são antigas tanto quanto a humanidade e não explicam o surgimento da modernidade como dizia Marx. Ele diz que os anos 80 aceleraram em muito o processo iniciado em 50, anos do pós guerra e que preconizaram as convulsões iniciadas nos anos de 1960. Ele não tem, no entanto, uma imagem tão negativa do presente porque valores os conversadores ainda persistem, de fato, eles prevalecem na maioria da população, e não é sem sentido que tanto se luta contra estas forças. Até o amor ainda é possível, o niilismo previsto por Nietzsche não prevaleceu. Somos pós-moralistas no sentido de que não há mais nada incondicional, ao mesmo tempo em que os valores democráticos, ou desejos e sonhos democráticos, permanecerem mostram não temos ainda estabelecido um completo caos social. Conceitos velhos tomaram novas formas, como a espiritualidade por exemplo. O poder exercido pela igreja ainda existe ainda que as famílias, no molde tradicional, não mais prevaleçam. Agora a escala de valores aponta para valores individuais e muito mais exercidos como sugestão pela mídia. Como exemplo, vemos, por exemplo, como as duras campanhas contra o cigarro não impedem que pessoas fumem. Sabemos por relatos de brasileiros, que na França, por exemplo, é mais difícil encontrar quem não fume. O indivíduo hipermoderno não se sensibiliza por conceitos, mas é seduzido, prevalece o sensitivo sobre o cognitivo. A mídia exerce este papel sedutor e não mais a verdade, mas o produto que este possa consumir é o que ela oferece. Pode assim burlar dados, espetacularizar desgraças e catástrofes, do choro ao riso sem critérios, a não ser causar emoções e sentimentos. Basta ver a mudança de assuntos terríveis para receitas de bolo da vovó na TV, ou a sobrecarga de informações de assuntos que dão audiência. A resposta, se é que há, é complexa, e ninguém, marxistas, liberais, democratas, que sejam, tem uma descrição definitiva. ¨A atração da visão binária presenta na obra de Lipovetsky está em que ele propõe, fora dos esquemas marxistas e liberais, outra leitura do presente, no qual o futuro de nossas democracias está em aberto a responsabilidade individual e coletiva é plena e total. Contra os liberais, que acham que só o liberalismo pode resolver as dificuldades que ele mesmo cria, Lipovetsky lembra que o papel do mercado tem limites e que a mão invisível providencialista que supostamente regula de dentro precisa de luvas bem visíveis para precaver-se de seus próprios excessos.

Contra os marxistas, que denunciam no capitalismo uma lógica contraditória e militam em favor de uma sociedade sem classes cujo o advento é inevitável, Lipovetsky mostra como a contradição se inseriu no próprio cerne dos indivíduos; quanto as lutas simbólicas perderam intensidade; e por que o futuro é imprevisível, já que deve ser construído coletivamente no presente. Ao levar em conta a complexidade do presente e recusar as leituras idealistas ou catastrofistas que disso se fazem, Lipovetsky propõe uma interpretação de nossa hipermodernidade que se pretende simultaneamente racionalista e pragmática, e segundo a qual a tomada de responsabilidade é a pedra angular do futuro de nossas democracias. Sem verdadeira tomada de responsabilidade, não bastarão as virtuosas declarações de intenção desprovidas de efeitos concretos. Será necessário valorizar a inteligência dos homens, mobilizar as instituições e preparar nossos filhos para os problemas do presente e do futuro. A tomada de responsabilidade deve ser coletiva e exercer-se em todos os domínios do poder e do saber. Mas também deve ser individual, pois em ultimo recurso cabe a nós assumir esta autonomia que a modernidade nos legou¨[1].

Em tempo contra tempo, ou a sociedade hipermoderna, no segundo capitulo, ele afirma que os anos de 1970 já apontavam um novo momento pós-moderno, a individualização, o fim da racionalidade, a evolução de todas as coisas de modo muito rápido. Uma era de ouro e liberdade parecia se abrir, mas logo as nuvens voltaram ao horizonte. Chegam o hipercapitalismo e hiperindividualismo. Não evoluir pode ser fatal. Tempo em que tudo é vigiado. Surge o fenômeno do presentismo coroado pela mídia informática e do capitalismo de bolsas de valores. Tudo se torna passível de descartabilidade. Morto o otimismo progressista surge o “futuro catastrófico” – agora, agora, agora! Assim o excesso de hoje e vigilância instaurado e com ele a efemeridade, tudo é agora, mas tudo já passou. O tempo é fundamental para que vigia demais o futuro, há urgência, tudo para ontem. Tempo passa rápido. No entanto, está instaurado o sentimento de pouco ou nada possuírem aqueles que tanto correm – quanto mais se corre menos tempo se tem.

Querendo o futuro estamos sempre voltando atrás: buscando a juventude. Pouca contemplação e o viver torna-se pesado para quem quer viver bem porque há muita oferta para o bem viver e, muitas se contradizem e nos consomem. Tudo é comerciável, até a vida plena. Nosso presente exuma, no entanto, constantemente o passado. Na Europa se abrem muitos museus, mas isto porque eles também atraem turistas – business – turismos da memória. Os móveis antigos são renovados, querendo o futuro se renova o passado. A pluralidade é o efeito de recrudescimento das individualidades, ou seja, a busca de autoafirmação do indivíduo acentua as diferenças e, por isto, a pluralidade? Cada um tentando ser mais si mesmo e não o outro? E para que não nos matemos todos pedindo clemência e respeito? Até mesmo as religiões estão desregulamentadas e pós-tradicionais, surgiu o deus dinheiro, e rumamos sem escalas para o barbarismo e niilismo. O tempo é inexoravelmente um parceiro cruel do qual não se pode desvencilhar. A viagem entre o passado, presente e futuro está acentuada, ainda que não se tenham domínio nem de uma como das outras etapas de viagens. É a eterna angustia do agora. O medo do que será e o saudosismo do que foi, mas nenhum nem outro explicar ou são capazes de amenizar a angustia. Como tudo é comerciável, o maior bem é o tempo. Tempo que se compra e se vende.

O último capítulo é a entrevista chamada de marcos de uma trajetória intelectual. Na entrevista ele destaca a rápida expansão da globalização, da busca e exigência dos direitos humanos, o surgimento de novas pobrezas e novas exclusões, a precarização do trabalho e o desaparecimento deste valor, o aumento dos medos e angústias de todo tipo, um mundo doente, movido a ansiolíticos e antidepressivos. Ele não vê como é possível derrubar a diferença de gêneros no aspecto social, no momento em que a mulher busca seu espaço e se fala da igualdade de gêneros. A biologia para ele ainda é fundamental. Não é possível, também, construir uma sociedade sem valores. A filosofia, sua matéria prima, perdeu seu papel de mudar o mundo, não tem mais o status quo do passado.

Um tempo descrito por sensações, pelo conflito dialético de valores e liberdade, de dependência e individualidade, de passado e futuro.

Pr Júnior Martins

Junho de 2016

[1] Página 46 – 47.
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