RESENHA DA TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO DE GEORGE ELDON LADD

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho é uma resenha crítica de LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento – Edição Revisada. São Paulo: Hagnos, 2014. 904 pg. Do original de 1974 publicado por Wm. B. Eerdmans Publishing Co., título original A Theology of the New Testament – Revised edition.

George Eldon Ladd nasceu 31 de julho de 1911 e faleceu em 05 de outubro de 1982, após um derrame em 1980, que deve tê-lo debilitado muito. Converteu-se em 1929 em uma igreja metodista. Foi, no entanto, pastor batista e professor de Exegese e Teologia do Novo Testamento do Seminário Teológico Fuller, em Pasadena, Califórnia conhecido no campo da escatologia cristã e por sua contribuição para o conceito da escatologia inaugurada e futurista, conhecida como pós-tribulacionismo. Ladd nasceu em Alberta – Canadá e foi criado na Nova Inglaterra. Estudou teologia na faculdade de Gordon, em Massachusetts e foi ordenado ao ministério pastoral em 1933, pela Convenção Batista do Norte. Pastoreou igrejas em New HampshireVermont, enquanto continuava seus os estudos superiores no Gordon Divinity School. Ladd serviu como professor no curso de Teologia e Missões no Gordon College, (hoje conhecido como Gordon-Conwell Theological SeminaryWenham, Massachusetts de 1942 a 1945. Atuou, também, como professor de Novo Testamento e Grego Bíblico de 1946 a 1950, e foi chefe do departamento de Novo Testamento de 1946 a 1949. Ele estudou, também, na Universidade de Harvard, sendo que durante este período completou sua tese de doutoramento sobre A Escatologia da Didaqué(livro apócrifo do segundo século importante para a reconstrução da vida e Teologia da Igreja Cristã primitiva). Ladd se mudou para a Califórnia em 1950, e ensinou teologia bíblica no Seminário Teológico FullerPasadena. Fuller, na ocasião, estava no quarto ano da sua fundação, ou seja, no início de sua jornada, quando Ladd se juntou ao corpo docente e Hagner observa que ele “se tornou uma das figuras-chave no desenvolvimento direção do seminário.” 

A obra mais conhecida de Ladd, Teologia do Novo Testamento, tem sido usada por milhares de seminários e estudantes desde sua publicação em 1974. Em uma pesquisa conduzida por Mark Noll, em 1986, o livro foi classificado como o segundo livro mais influente entre os estudiosos evangélicos, perdendo apenas para as Institutas de Calvino. O livro Teologia do Novo Testamento foi melhorado e atualizado por Donald A. Hagner em 1993. A crença de Ladd em ambos os aspectos presentes e futuros do Reino de Deus, fez com que seus opositores comparassem e avaliassem sua escatologia como Amilenismo, que na época era muito popular dentro de círculos teológicos reformados. Apesar destas comparações, Ladd não era um reformado propriamente, e de fato rejeitava a visão calvinista da doutrina da salvação. John Piper diz que o desejo de Ladd estava na direção da busca por credibilidade acadêmica, e relata como Ladd “estava quase desfeito emocionalmente e profissionalmente” por ocasião da revisão critica negativa feita por  Norman Perrin sobre o livro Jesus e do Reino, mas conta, também, como Ladd reagiu após com o reconhecimento do livro Teologia do Novo Testamento:  ¨Ladd andou pelos corredores do Fuller gritando e acenando um cheque de royalties quando Teologia do Novo Testamento foi um sucesso impressionante dez anos depois.¨  

Ladd era um proponente notável e moderno do Pré-milenismo histórico,  muitas vezes criticado pela visão dos dispensacionalistas, uma versão dentro do próprio pré-milenismo.O dispensacionalismo foi de longe a visão mais amplamente difundida entre os evangélicos durante meados do século XX, a qual Ladd se opunha. Seus escritos a respeito do Reino de Deus (especialmente sua visão da escatologia inaugurada) tornaram-se uma pedra angular da teologia. Sua perspectiva é expressa em O Significado do Milênio: Quatro Visões, RG Clouse, editado por Downers Grove da InterVarsity Press em 1977. O menor e mais acessível dos seus livros é O Evangelho do Reino (Paternoster, 1959). Em 1978, uma antologia foi publicada em sua honra. Unidade e Diversidade na Teologia do Novo Testamento: Ensaios em honra de George E. Ladd que incluía contribuições de Leon MorrisWilliam BarclayFF BruceI. Howard MarshallRichard Longenecker e Daniel Fuller. Antes de sua morte temos informações de que pretendia fazer reedições e modificações no livro Teologia do Novo Testamento. Este trabalho foi melhorado a atualizado por Donald A. Hagner em 1993. A terceira edição que é a que dispomos, tem no capítulo 45 um apêndice escrito por David Wenham falando exatamente sobre a Unidade e Diversidade no Novo Testamento, os mesmos ensaios em sua honra e memória.

O livro está dividido em oito partes, incluindo a introdução e o apêndice, sendo elas: os Evangelhos sinóticos, o Quarto Evangelho (Evangelho de João), A Igreja Primitiva (Atos dos Apóstolos), Paulo (que inclui as cartas às igrejas e as epístolas pastorais), Hebreus e as Epístolas Gerais (em seção única) e Apocalipse. Em cada seção ele discute questões de autoria, mas sem muita ênfase porque o livro não pretende funcionar como uma introdução ao Novo Testamento e, talvez, porque isto pareça fundamental em qualquer debate sobre textos antigos. Segue com a temática dos livros, mas nunca deixa de tratar de aspectos de Vida Cristã e Escatologia que, como já afirmamos anteriormente, sua veia pastoral e sua teologia da escatologia inaugura são essenciais. Por abarcar a Teologia Paulina em seção à parte, as cartas pastorais acabam não recebendo nenhum tratamento especial. 

O início do livro é bastante esclarecedor quanto à linha principal de abordagem do livro Teologia do Novo Testamento e seu objetivo. Ele afirma que

Se os evangélicos protestantes não sobrepujarem sua preocupação com a crítica negativa em relação aos desvios teológicos contemporâneos a expensas de construir melhores alternativas para eles, na próxima década já não serão uma força doutrinária. É para confrontar este desafio que o presente livro foi escrito.[1] 

Ele descreve, assim que sua Teologia segue o papel da Teologia Bíblica, onde se acompanha o fluxo argumentativo de cada autor bíblico sem a preocupação de sistematizar ou dogmatizar cada tema. À luz da leitura, a principal força a ser combatida, tendo esta teologia à mão como ferramenta e arma, é o liberalismo teológico. Podemos ver também, conforme a citação anterior queria preservar para às gerações futuras os alicerces de uma teologia conservadora que já parecia estava muito ameaçada.  

OS EVANGELHOS SINÓTICOS

O primeiro assunto é João Batista. João Batista é o que anuncia Jesus Cristo como o Eleito de Deus e como o Filho de Deus. Ladd aproveita a linha histórica conforme apresentada pelo Novo Testamento e usa, além disto, citações de literatura apócrifa para esta abordagem. João é o que aponta para a chegada e a necessidade do Reino de Deus para toda a humanidade. A afirmação de João, e do próprio Cristo a respeito, é de um reino sempre em caráter dualista, que faz contraste e oposição ao presente século, os termos são, entre outros, agora e depois, terra e céu, de modo que apontam para um tempo de plenitude onde, talvez, nem haja mais o próprio tempo. A vitória de Jesus sobre Satanás e os anjos maus aponta para esta vitória cabal do Reino de Deus, ainda que este mundo não seja considerado completamente mal ou desprezível por nenhum dos dois, ou seja, João Batista e Jesus. Por causa do pecado o homem tornou-se mau e o bem supremo da humanidade não pode ser encontrado na criação. Seria inútil o homem ganhar o mundo e perder a sua alma¨[2](Mc 8: 36). Jesus tem como missão restaurar a humanidade. O Reino de Deus é a mensagem central de Jesus e é caracterizado por irmandade, escatologia e proximidade de Deus. Deus irrompe como um ser real e presente, realizando e finalizando a totalidade do Antigo Testamento, que já se mostrava como em realização terrena desde o Reino de Davi chegando ao Cativeiro, manifestando seu caráter transcendente e imanente desde então, um Reino que em Cristo veio do alto, mas entrou na história, no tempo e no espaço. Este Reino inaugura a Era da Salvação presente que tem como características e manifestações e representadas pela tomada a força (denotando a luta contra as trevas), ilustrada nas parábolas de Jesus (que contrastam o fato de que o Reino se manifesta nesta realidade presente e alguns a percebem e outros não), seu contato com as pessoas que inclui cura física e a cura da alma. Este Reino mostra que a Justiça só é possível com Deus. O Deus deste Reino é um Deus que busca seu povo, o julga e o salva. Outra caraterística importante deste Reino é a sua presença visível, mas mesmo assim oculta e escura, conforme podemos ver claramente a aplicação de Isaías 6: 9, 10 em Mateus 13: 14, 15. Ao mesmo tempo ele se manifesta de modo claro, visível e audível o conteúdo desta mensagem que apresenta a chegada do Reino de Deus, ele está oculto ou escondido para aqueles que não creem, porque sem sua fé tais verdades lhes ficam ocultas. O Reino é assim uma revelação e um mistério. O Reino é também Israel e a Igreja. O Reino cria a Igreja, e esta é composta por aqueles que estão sob a vontade de Deus. Pedro, segundo Ladd, é de fato o portador das chaves dos céus, ou das chaves de entrada a este Reino Ele afirma isto lembrando a repreensão que Jesus fez aos fariseus os acusando de impedir o ingresso de alguns ao Reino de Deus. O Reino se manifesta no presenta na vida dos crentes em sua ética, que é absoluta, ou seja, é interna e externa (o que se pensa, o que se sente e o que se faz), é completa (não há área da vida que o Reino não toque), visa à justiça e por meio dele, e somente por meio dele, se obtém graça e recompensa reais.

Jesus é o Messias e o Filho do Homem. Uma pergunta então surge: por que Jesus foi designado Cristo pelos seus contemporâneos evangelistas se ele não atendia às expectativas judaicas que já vinham desde Davi? As atitudes e palavras que usou neste sentido não seriam uma grande encenação para forçar uma interpretação favorável neste sentido, ou seja, ele teria encenado? O judaísmo realmente aguardava um Sacerdote e um Rei bem diferentes, em perfis muito mais davídicos, de guerra e conquista. Os Evangelhos apresentam afirmações bem diferentes disto, sobretudo no aspecto militar, já que Jesus é um Rei pacífico e ensina a amar os inimigos, mostrando que a compreensão dos Evangelhos apontam claro reajuste da visão de quem é e quem seria o Cristo, ou seja, em oposição aos conceitos judaicos vigentes quando de sua primeira vinda. Em Pedro vemos que ele é o Cristo (Mt 15: 16) e que Jesus não poderia simplesmente representar ser o que não era porque alguns fatos, como a cruz, dependeriam de muitos outros fatores para acontecer, inclusive combinar com seus opositores tal encenação. Segundo Ladd,

A explicação mais natural para estes fatos é que Jesus agiu como o Messias; contudo, um Messias muito diferente das expectativas judaicas daquela época. É difícil crer que Jesus tenha desempenhado um papel de forma involuntária, o qual não estivesse consciente. Ele, certamente, sabia que era o Messias.[3]

Filho do Homem parece ser a apresentação, atribuição ou característica preferida do próprio Jesus porque das 75 ocorrências no Novo Testamento apenas uma não está em sua boca, está na boca do Estevão em Atos dos Apóstolos 7: 56. O título Filho do Homem não aparece nos registros da Igreja Primitiva porque ela simplesmente não usava este título. Filho do Homem é um ser divino que desce a terra na forma humana conforme o livro de Daniel e o livro das Similitudes de Enoque 37: 71 que é um livro apócrifo que esclarece a escatologia da época e nos ajuda a sincronizar a terminologia. Nos Evangelhos Sinóticos esta terminologia se reafirma na vida de Jesus na Terra, nos detalhes do seu sofrimento, n as agruras da sua morte e em toda a seu discurso escatológico. Ladd apresenta, para justificar estas muitas faces do Filho do Homem, uma tabela de textos nas páginas 198 e 199 apontando os temas o Filho do Homem terreno, o Filho do Homem sofredor e o Filho do Homem apocalíptico e as respectivas referencias bíblicas.  

Jesus é também o Filho de Deus. Este título carrega em si uma serie de implicações de natureza nativista (ter nascido de uma mulher, no tempo e no espaço), moral e religiosa (de ser cuidado por Deus), teológica (de participar da natureza de Deus), e de ser o homem divino, homem-Deus (pessoa teantrópica). Ladd defende que a importância deste título deve recair, sobretudo, em sua natureza. E que títulos com Kyrios (Senhor) é que devem carregar seu Senhorio, Sua Assunção. O debate sobre o Jesus Histórico e o Jesus da História também surge em Ladd e ele afirma que, a despeito da insistência de muitos ao interpretar Jesus sem suas características transcendentes, ou de afirmar que a história é o resultado de interpretações pessoais, ou da critica da forma que debate o relato de pontos de vistas diferentes como imprecisos e meros excertos interpretativos, ele insiste que o Jesus histórico é exatamente o mesmo dos Evangelhos. Deve prevalecer o conceito de que os Evangelhos são o resultado pontual de testemunhas oculares: os discípulos. O segredo messiânico que implicaria em uma farsa histórica, que explicaria que o próprio Jesus ao negar tal título indicava não se considerar o Filho de Deus com todas as suas implicações, mas que a igreja teria então insistido nesta tese construindo um entendimento falso que seria negado pelo próprio Jesus, implicaria na construção de uma falsa tradição a este respeito, criada como uma ideia pós ressurreição, segundo Ladd não se justifica por uma serie de outras evidências de seu ministério terreno que apontam que o próprio se afirmava Filho de Deus e que o reconhecimento deste título já existia muito antes da sua ressurreição. Além do mais, ainda em relação ao segredo messiânico podemos invocar textos que ele afirma que ainda não era o momento de ser revelado, o que mostraria que não é uma negação do fato, mas da necessidade de que o momento certo para a Revelação fosse aguardado: ¨ainda não é chegada a minha hora¨ (Jo 2: 4).

Jesus como Rei de Israel, como Rei glorioso, como Rei de um reino manifesto em Grande Poder (Mt 2: 2, Lc 1: 32, Mt 25: 34, Lc, 22: 29-30) também já eram títulos perfeitamente defensáveis durante sua vida terra antes  da ressurreição. Ironicamente, na conversa do próprio Jesus com Pilatos temos a confirmação de que este conceito já era claro no Evangelho de João 18: 33, 38.

A Igreja Primitiva entendia sua missão como simplesmente: Ele morreu por nós. Ele foi humilhado injustamente conforme predito, e sua morte tem caráter messiânico, expiatório, substitutivo, sacrificial e escatológico. Na cruz ele sofre a vergonha e o desamparo do Pai, mas ao final triunfa. A Escatologia é assunto presente e bem definido em Ladd, já iniciando nos sinóticos. O Estado Intermediário, seja como for, é na presença de Deus. Quanto a Ressurreição, devemos destacar seu caráter corpóreo. O inferno, por sua vez, recebe diversos nomes indicando, com isto, para Ladd, muitos sinônimos de um mesmo lugar, o Reino vem como consequência do Juízo, o tempo de sua chegada é iminente, mas demorado e incerto (¨já e não ainda¨). Ladd chega a afirmar que a interpretação da chegada breve do Reino pode ser uma má interpretação de suas palavras.

O problema sinótico também merece atenção em sua teologia. Mas diferenças e igualdades não são mais do que pontos de vistas dos próprios autores. Mateus foca em seus cinco grandes discursos (Sermão do Monte, Chamado dos Setenta, Parábolas do Reino, Missão da Igreja e Tempos Finais). Os principais temas em Mateus são: sua Cristologia muito mais exaltada que nos outros Evangelhos sinóticos, a relação de Jesus com a Lei, Jesus e Israel e sua Igreja, ainda que ele não aponte e não pareça indicar um fracasso de Israel, mas que uma nova comunidade unida pelo arrependimento e pela fé surja antagonicamente aos laços sanguíneos tão exaltados pelos judeus. Marcos é o relato mais apaixonado e dinâmico dos três. Sua Cristologia privilegia o Messias Filho de Deus, seu paradoxo humano e seus milagres (segredo messiânico, conforme já falamos interiormente o qual não é um segredo propriamente dito), o intenso trabalho de ensinar e assistir os discípulos já que a missão depende de sua compreensão. Ladd chega a sugerir que falar de Teologia em Marcos é um absurdo, mas deixa em suspensão tal ideia ao afirmar que em Marcos o que temos são cinquenta por cento de ação e cinquenta por cento de ensino. O Evangelho de Lucas, por fim, é o maior e deve ser lido com Atos dos Apóstolos, seu complemento, ideia bem solidificada. O Evangelho de Lucas e Atos enfatizam a conquistas e a salvação dos gentios nos mesmos moldes e intensidade que aos judeus, a oração enfatizando a vida de oração do próprio Jesus, a História da Salvação, Judeus versus Gentios (ou Israel e a Igreja), Boas Novas aos pobres, a presença do Espírito Santo, e o poder do Evangelho no mundo todo.

O QUARTO EVANGELHO

A primeira questão levantada por Ladd é a que, de fato, o Evangelho de João deve ser estudado separadamente dos Evangelhos Sinóticos e que a sua teologia se difere em muito dos sinóticos. Ele não menciona muitas coisas como nos sinóticos como, por exemplo, o nascimento de Jesus e seus exorcismos. Ao contrário dos sinóticos, que apresentam as parábolas e grandes discursos, o Evangelho de João apresenta grandes diálogos. A ênfase inicial é a de que sem arrependimento não há a presença do Reino. A Vida Eterna, termo teológico muito importante no quarto Evangelho, já começou, está vigente e disponível agora. É um Evangelho de dualismos e da Identidade messiânica como EU SOU, titulação que lhe valerá muito debate e perseguição. Ladd defende a autoria menos tardia (90 d.C. é a data apontada por muito estudiosos e comentaristas) para o Evangelho de João, algo em torno de 60-70 d.C. já que acredita que ele não está necessariamente debatendo com o gnosticismo, que é mais tardio[4], mas com outras tradições paralelas e muito semelhantes, como as da Comunidade de Qumram. O dualismo Joanino é visto por Ladd verticalmente e horizontalmente. Verticalmente o mundo de cima e o mundo de baixo, luz e trevas, carne e Espírito. Horizontalmente, a humanidade criada no cosmos está em inimizade geral, há pecado e incredulidade, mas o Logos entrou no mundo, e constrói este dualismo horizontal – a vida já se manifestou em um mundo de morte, que jaz no Maligno[5].  Neste mundo temos os filhos de Deus e os filhos do Diabo, conforme o diálogo de Jesus com os judeus religiosos no capitulo oito do mesmo Evangelho. O dualismo joanino, no entanto, não pode ser confundido ou meramente posto lado a lado com o dualismo da Comunidade de Qumram[6], já que poderia ser contra este dualismo que João estaria dialogando. O Logos, expressão grega de grande importância, é o tema independente e central da cristologia joanina. Filo compreendia o Logos como a intermediação do Deus transcendente com sua criação. Poderia ser a Sabedoria personificada. O uso teológico de João aponta em outras direções. É o ser pré-existente, o agente próprio da Criação, o agente que se fez carne, aquele que revela a Vida, a Luz, a Glória de Deus. Sua Cristologia também abarca os conceitos de Messias, Filho do Homem, Filho de Deus (figura bem presente nos ditos de Jesus descritos neste Evangelho, o qual não apresenta nenhuma reticencia ao usar o título). Jesus é o mediador da Vida em todos os sentidos possíveis. O Grande EU SOU Jesus é igual a Deus, mas em João se exalta, também, assim como nos sinóticos, toda a sua humanidade.

Outro tema importante no Evangelho de João é a Vida Eterna, e ele dedica muito espaço a este assunto. No contexto judaico é a vida duradoura e de qualidade infinita. O gnosticismo o entende como a vida essencial percorrida em estágios. Nos sinóticos é a bênção escatológica, ou seja, que ainda há de vir. Em João, é completa e presente. Por meio do conhecimento da obra do Filho de Deus, através de um relacionamento pessoal com Ele, pelo conhecimento da Verdade (que aqui é também descrita por Ladd como relacional e existencial) esta Vida Eterna se concretiza. Tal verdade no AT é sinônimo de realidade dos fatos, de fidelidade e de palavra que seja confiável, em João é a Revelação e incorporação em Cristo do proposito de Deus.

A vida cristã em João, segundo Ladd, é a vida de fé. Nos sinóticos a vida cristã é presença e poder do Reino de Deus, em João é demonstração da presença e poder de Deus em Cristo. O conhecimento relacional é a demonstração desta fé verdadeira e, ¨dessa forma, é um elemento constituinte da fé genuína¨.[7] Como elemento da vida Cristã, segundo o autor, temos a predestinação (João 15: 16), a permanência do crente em Cristo, a ética se resume ao exercício do amor, a igreja é composta de judeus e gentios, ovelhas de outro aprisco, e se fundamenta nos sacramentos dos quais o batismo é o fundamental, mesmo que João não seja um sacramentalista.

Ainda na tentativa de dialogar com o seu tempo, o Espirito Santo em João é apresentado por Ladd em comparação com o Helenismo (pneuma com substancia pura), como o ruach (no Antigo Testamento o Espirito criativo de Deus), nos sinóticos (aquele que capacitou Jesus e seus discípulos). Em João, Jesus viveu sua missão no Espirito e o deu a seus discípulos e podemos, segundo Ladd, falar até em Pentecoste Joanino (João 20: 22), mas que é diferente do de Atos 2 porque poderia fazer deste segundo algo desnecessário. Nascer do Espirito é um tempo joanino específico. O Espírito Santo também é apresentado como Paracleto (gr.) traduzido como confortador, aquele que torna forte, fortalecedor, advogado, interprete, mediador, instrutor. Ele é o outro Jesus, porque Jesus disse: ¨Não vos deixarei órfãos!¨. A missão do Espírito Santo em João é interior, expressa na metáfora dos rios de água viva, capacitando, habitando permanentemente, ajudando a pregar. Para com o mundo é um acusador.

A escatologia joanina é declarada como já em realização, existencial, mas não pronta ainda, assim ainda faltam elementos para sua conclusão. Há uma ênfase no dualismo escatológico (o contraste terreno da chegada do Logos e a realidade do pecado e do mal) e não no escatologismo vertical (a chegada final do Reino aqui). A vinda de Cristo é uma tensão entre a primeira e a segunda parousias, a ressurreição é a nova vida e a vida futura, o juízo é presente e futuro.

Ladd, assim, ao comparar os sinóticos com a teologia joanina, assevera que a teologia joanina difere, sobretudo, em seu aspecto terreno já em realização, ou seja, muito da teologia joanina é visto como em realização, mas com pontos culminantes no futuro, quando a teologia sinótica coloca muitos destes mesmos fatos apenas no futuro, em uma intervenção futura e brusca.  

O próximo assunto é Atos dos Apóstolos, mas Ladd prefere chamar de Igreja Primitiva.

IGREJA PRIMITIVA

A questão crítica da autoria sempre surge nos comentários de Ladd e as suspeitas sobre a não autoria lucana recaem sobre conceitos que o livro traz e que teriam se solidificado muito mais tarde. Outra questão que, longe de desmerecer o livro em si, mas traz ao mesmo um tom de frustração, é a facilidade com que personagens surgem e desaparecem no livro sem a mínima cerimônia. A teologia da Igreja Primitiva, para Ladd, tem três alicerces: a Ressurreição de Jesus, O Kerigma Escatológico e a construção da Igreja.

A Ressurreição é o fato fundamental. Jesus pregou sobre sua morte claramente e os discípulos ficaram atônitos e muito abatidos quando testemunharam este fato, e em função da sua ressurreição, sofreram grande mudança e muito encorajamento depois. Após ressuscitar Ele foi visto por muitas testemunhas. A natureza da ressurreição é corpórea, fato fortemente reafirmado que nos leva ao contrate com o helenismo e o paganismo de então. Após sua ressurreição, destaque-se, Jesus assume novos poderes, mas também come com seus discípulos (João 20: 14-26). Mesmo podendo atravessar paredes (ou a pedra que fechava o sepulcro) ela foi removida para que os discípulos pudessem acessar o túmulo vazio. A igreja começou por causa da ressurreição. É certo que o destemor dos discípulos está baseado neste conceito e de que para a igreja primitiva, é o maior sinal da presença do Reino.

O Kerigma Escatológico nasce na ênfase no sofrimento, morte e ressurreição. A ressurreição é escatológica, prenuncia o futuro. Atos descreve, também, a ascensão que prenuncia a glorificação final. Jesus é o Rei messiânico que aguarda a consumação do seu Reino. Jesus é assim o Senhor Exaltado. A motivação querigmática da comunidade cristã primitiva está no aguardo de sua volta, assim como o virão subir, nas palavras do Anjo em Atos 1.

A igreja começa com o Pentecostes com o evento das línguas, onde há unidade (o que pregam) e a diversidade (como pregam, usando os idiomas dos presentes miraculosamente por se tratarem de judeus semianalfabetos, senão analfabetos). Os primeiros cristãos não abandonaram a sinagoga, mas realizavam batismos, a comunhão, o partir do pão. Logo Pedro, João e Tiago começam a estruturar a igreja e assim romperão em breve com o judaísmo, principalmente depois da ultima visita de Paulo a Jerusalém. Boa parte desta organização se baseia na reação às dificuldades que foram surgindo à medida que a igreja se desenvolvia.

PAULO

Paulo é um fariseu convertido em um homem de três mundos diferentes: o mundo judaico, o mundo helenista (greco-romano) e o mundo cristão. Estes três mundos exerceram influência em sua teologia. Pelo lado judeu o monoteísmo estrito e a defesa da Lei de Moisés. Pelo lado cristão o discurso sobre a Lei e a Graça, a realidade de quem em Cristo tudo se faz novo. Pelo lado helenista o discurso, o idioma e o dualismo, lembrando também que por ser um cidadão romano, as características do seu ministério e do final de sua vida são fortemente influenciadas e facilitadas por isto. A Teologia central de Paulo pode ser resumida, entre tantos outros temais importantes, pela justificação pela fé, ¨estar em Cristo¨, o novo que invadiu e mudou o velho, ou a Nova Vida em Cristo. Apontaremos mais temas apontaremos a partir da análise de Ladd adiante.

Para Ladd, as fontes para o conhecimento, a teologia e os textos de Paulo são sua prática missionária, pastoral e de reflexão dos fundamentos judaicos que já possuía desde a mais tenra idade. Além disto, teve como fundamento de sua teologia as fontes orais da época com as quais teve contato, incluindo da sua relação com os apóstolos. No entanto, chama a atenção o silêncio de Paulo em relação a fatos e sobre detalhes das palavras do próprio Jesus. Conforme veremos mais adiante, para Ladd, este distanciamento ou silêncio, podem ser falsos. Em suas palavras, no entanto, a autoridade de suas palavras e apostolicidade estão, sobretudo, em seu chamado direto feito pelo próprio por Cristo no Caminho de Damasco, o que o colocava em pé de igualdade com os apóstolos, colocando o conteúdo querigmático e pneumático de suas expressões, ditos e escritos como Palavra de Deus. Paulo se valia do Antigo Testamento, principalmente da versão da Septuaginta. Ladd aponta como temas centrais da teologia, além das que indicamos há pouco: a humanidade sem Cristo, a pessoa de Cristo, a expiação de Cristo, a justificação e a reconciliação, a psicologia paulina, a nova vida em Cristo, a Lei, a Vida Cristã, a Igreja e a Escatologia Paulina.

Paulo não ensina o dualismo cosmológico, mas escatológico, ou seja, realidades espirituais coexistem, mas haverá um dia final que inaugurará a entrada em uma nova realidade. O mundo, ou Kosmos (gr.), diz respeito à humanidade caída, portanto, distante de Deus. Estamos envoltos em uma realidade material e espiritual que abarca a presença de anjos bons e maus em luta e conflito constante, as potestades do ar no circundam conforme Efésios 2: 1,2. Adão, enquanto representante da humanidade caída, estabelece o padrão da revelação natural na qual Deus se revela por meio da consciência, ou seja, manifesta o que é o pecado, a lei, a carne, a morte, a ira de Deus, ou seja, termos que descrevem a humanidade sem Cristo e da qual a humanidade pode, com reflexão, concluir sua própria condição conforme Romanos 1-2.

Cristo, provedor da salvação é o Messias, o Senhor, o Filho de Deus e o último Adão. A cristologia de Paulo é elevada. Jesus é subordinado funcionalmente a Deus, mas ser divino de mesma natureza e autoridade. Ele reconcilia a humanidade com Deus por meio do amor, sacrifício vicário, substitutivo, propiciatório (capaz de aplacar a Ira de Deus), redentor e triunfante. A Teologia Paulina, tratando-se de um judeu, é fundamental neste aspecto. A longa tradição monoteísta estrita radicalizada após o Exílio Babilônica, teve seus alicerces abalados com a presença de Jesus se auto afirmando Filho de Deus, portanto, Deus também. Paulo, em sua teologia, se esmera por mostrar que Cristo é Deus entre nós, assim o Messias e Senhor. Ao mesmo tempo afirma e argumenta sua humanidade, mas agora, por meio da afirmação de Cristo com o último Adão.

A justificação é tema central em Paulo (podemos ver isto em Romanos 5[8]), como ato declaratório da nova condição humana ¨em Cristo¨ pela fé. Seu caráter é escatológico, ou seja, o novo está em Cristo invadindo o velho e fazendo tudo novo. As afirmações paulinas têm caráter, aspectos e terminologias legais e forenses, falando da suspensão da pena do pecado por meio da quitação da dívida, nos quais pecados são perdoador e as culpas são eliminadas. Do mesmo modo que o pecado foi imputado a toda humanidade em Adão, a justificação é imputada pela fé em Cristo. Assim, Deus reconcilia a humanidade consigo. Tal reconciliação tem sempre como sujeito o próprio Deus, e tem o homem como seu favorecido ou beneficiário, mas nunca seu agente. O resultado é que o homem tem paz com Deus e pode se reconciliar, também, assim com também se reconciliar com seus semelhantes.

Quem é o homem para Paulo? Ladd foge do debate infrutífero da dicotomia e tricotomia e afirma a unidade do homem no conceito paulino, assim como no conceito judaico. Deste modo, Paulo usa diversos termos para descrever o ser humano sem, contudo, demonstrar qualquer natureza dicotômica, tricotômica ou mesmo multipartítede. Os homens são nephesh(seres viventes) para as relações entre si, e ruach na sua relação com Deus, na terminologia judaica. Em Paulo todo homem é pneuma, mas o homem sem Cristo é pneuma estagnado e sem vida. Soma, o conceito visível da humanidade, o corpo, também deve glorificar a Deus por meio da sua mortificação, não por meio de práticas ascéticas, mas por meio do Espirito Santo e para a glória de Deus. Vale notar que para Paulo, o corpo é o templo do Espírito. Sarx é o corpo em sua aparência, usado no sentido ético como pecado em contraste com vida no espirito. Ainda assim, uma unidade em contraste com o dualismo grego. Ele também usa a palavra coração (kardia), é algo interior que sente e vive, assim como mente ou entendimento para expressão atributos de conhecimento, pensamento, julgamento, especulação e reflexão. O homem interior é usado para o ¨eu superior¨, em sua luta do bem contra o mal travada internamente. A consciência (synedesys no grego e lebno hebraico) como um guia interior de valor relativo já que o veredicto final é sempre de Deus. Não há em Paulo qualquer elemento da constituição humana que escape às vistas de Deus e que não possa glorificá-lo, ou que escape ao processo de redenção. Em 1 Coríntios 15 ele afirma a transformação dos corpos, por exemplo, mas ainda assim corpos que herdarão o Reino de Deus.

A nova vida em Cristo é a vida total, uma nova realidade escatológica já como realidade presente. Em Cristo, pela fé somos absorvidos por esta nova vida, no Espirito e não na carne para qual nele a humanidade está morta, morta para viver para Ele. O Senhor é o Espírito, espirito vivificante e esta nova vida requer uma decisão. A terminologia que talvez melhor expresse isto seja andar em Espírito, de modo a não satisfazer as vontades da carne conforme podemos ler em Gálatas 5: 16.

A Lei é outro tema fundamental. É, no entanto, o ponto de vista cristão sobre a luta entre a Lei e o Legalismo, e não sobre a invalidade total da Lei per si. A Lei implica filiação, uma intermediária entre Deus e os homens, que regula a relação entre os homens e Deus[9]. Na era messiânica a Lei é espiritual e produz vida e justiça por meio de seu poder vivificante que, por sua vez, também produz tal justiça. Quando Paulo circuncida Timóteo, por exemplo, parece contradizer a Lei, no entanto, mostra com isto que a Lei ainda está vigente enquanto estamos aqui e que, além de vínculos étnicos, já que era um judeu, e pelo mesmo motivo, por questões de natureza cultural, prevalece pelo exercício da Lei, a obediência a Deus, enquanto judeu. Por lei entendemos os ensinamentos da Torah, e a expressão e Nomos (lei, gr.) Paulo usa em relação aos costumes da época. Paulo inaugura a ideia de que o coração deve acompanhar a obediência externa, conforme vemos em Romanos 2: 28, 29. A lei falhou por ser uma escrita externa ou para fora, não mudando o homem por dentro. Ele reinterpreta a lei, dizendo que ela existe para mostra o pecado, condenar. No entanto, não elimina sua existência porque ela é boa para mostrar quem o homem é.

A teologia da vida cristã paulina para Ladd é representada pela ética social, tendo como fonte o rabinismo de então, o Antigo Testamento, a cultura grega e o próprio Jesus. A principal motivação para a ética cristã é a de que o cristão é habitação do Espirito Santo, por isto deve imitar a Cristo, está unido a Cristo, é habitado por Cristo, segue, como consequência, um processo de santificação como símbolo de seu pertencimento. Quanto à escatologia paulina (porque o cristão comparecerá diante de um tribunal divino, e Ladd chega a sugerir aqui a possibilidade da perda da salvação) e amor conforme podemos ver em 1 Coríntios 13: 13, como diz na página 702:

A motivação mais importante para a vida cristã é o amor. O amor é a Lei de Cristo (Gl 6: 2). Isto quer dizer que toda conduta ética pode estar contida no principio do amor, como Jesus ensinou (Mc 10: 30, 31). O amor cumpre as exigências da lei. O Espirito é o espírito de amor (Rm 15: 30; Cl 1: 8), que derramou o amor de Deus em nossos corações (Rm 5: 5). O fruto do Espírito nada mais é que um comentário sobre o primeiro fruto, mostrando como o amor atua (Gl 5: 22, 23). O mais excelente charisma, que todos deveriam ambicionar, é o amor (1 Co 13). É o amor que ativa a conduta humana (Cl 3: 14). O nobre hino de 1 Coríntios 13 está no centro de todo o ensinamento de Paulino, tanto para a ética individual quanto para a social.

Outro elemento da teologia da vida cristã de Paulo é a nova vida que deve se impor pela presença da velha vida porque ¨os cristãos vivem neste mundo, mas seu padrão de vida, seu padrão de conduta, seus objetivos e suas metas não são deste mundo, pois os deste mundo são essencialmente egocêntricos e orgulhosos¨.[10]Paulo, como já afirmamos, não era asceta, portanto não dicotomizava o corpo como mau e o espírito como bom, mas ensinava a severidade com o corpo, o corpo sujeito ao espírito para não se sujeitar ao pecado e a concupiscência. Uma das tônicas paulinas neste sentido é o celibato, que afirmava como necessário para que não houvesse distrações em seu serviço cristão e no relacionamento com Cristo, mas ensinava, também, que alguns, que não pudessem se conter, que se casassem, mas que teriam sua atenção dividida entre o Senhor e o cônjuge. Ensina a radical separação dos cristãos de toda e qualquer natureza de vícios, vícios e problemas que Ladd classifica em seis categorias: sexuais, de egoísmo, de murmuração ou malícia, de inimizades, de embriaguez e orgias e, por fim, de idolatria. Apesar disto, a ética social de Paulo não parece muito clara quanto a necessidade de promover mudanças sociais. Outros assuntos como o papel da mulher (em Cristo elas são iguais aos homens e são a glória dos homens), o casamento (como instituição importante[11]), a escravidão (que Paulo não combate, mas leva em consideração o devido respeito aos escravos convertidos, para isto vide carta de Paulo a Filemon, onde afirma que mesmo escravos de homens, os mesmos são livres em Cristo), e a separação do Estado ou de atitudes de transformação social. Ele afirma que Paulo cria que a Vida Cristã faria grandes mudança sociais.

Fica claro que Paulo não estava preocupado com as estruturas sociais, mas apenas como modo como cada crente devia viver sua vida cristã dentro da situação social daquela época. Ele apresentou princípios que, caso fosse fielmente praticados, causariam, inevitavelmente, um profundo impacto sobre as estruturas sociais, uma vez que os cristãos se tornassem um povo influente na sociedade. Porém, em sua visão, as estruturas sociais pertencem à era anterior, que estava que estavam se desvanecendo. Não há nenhuma evidência de que Paulo considerava a igreja como uma estrutura que tomaria seu lugar junto a outras estruturas sociais e as mudaria para o bem.[12] 

A igreja, que é assunto importante, relevante e presente na teologia paulina, merece também destaque em Ladd. Em Atos, como Ladd apresenta, não há estrutura organizacional na igreja, mas Paulo a apresenta, com a ênfase de que os ministros da igreja são orgânicos e não pessoas com cargos atribuídos. A liderança é composta em função de seus dons, mas respeita a hierarquia que é muito bem definida que começa com os apóstolos. Antes do Novo Testamento e as orientações aqui descritas, a igreja se guiava pelas profecias internas e reagia às dificuldades e desafios que se impunham. Quanto aos dons, Ladd os categoriza em duas classes: os carismáticos (como as profecias, por exemplo) e os comuns (como socorrer e misericórdia), o que no dá a entender também que há dons específicos distribuídos para alguns e outros mais generalizados, os quais se espera que todos tenham em alguma medida.

A igreja é definida como a assembleia, como corpo de Cristo reunido e como um organismo (não como uma organização). Seus membros são chamados, conhecidos e compreendidos por Paulo como o povo de Deus, o Israel espiritual, o povo escatológico, criados pelo Espirito Santo para viver em comunhão como um grupo de eleitos, santos, crentes. Chega a sugerir que na ordenança do batismo, o pão representa os próprios crentes como corpo de Cristo à partir da palavra artos (gr.) em 1 Coríntios 10: 17, no entanto, baseando-se na interpretação da Didaquê que sugeria que Paulo via os membros da igreja representados nos pedaços de pão servido durante a Ceia. O batismo é temática importante também, mas muito mais pelo seu aspecto inclusivo do crente na comunidade cristão do que do ponto de vista sacramentalista.

Como nas sessões anteriores, Ladd também designa um bloco especial para a escatologia paulina. Com a presença do Espirito Santo e com a Nova Vida a escatologia já está presente. Como ainda não recebemos o novo corpo, temos a esperança de ressuscitar como Cristo ressuscitou. O retorno de Cristo está presente e a teologia paulina aponta todas as suas implicações (transformações, juízos, vitória sobre a morte, o pecado e o Diabo, etc.). Paulo dá destaque à apostasia dos últimos tempos e a presença do Homem da Iniquidade. Fala do endurecimento de Israel e sua futura conversão, mas neste ponto Ladd não destaca qualquer aspecto de continuidade ou descontinuidade entre Israel e a Igreja. O tema do Arrebatamento também está nas cartas paulinas. Galardões, salvos pregando no juízo, e restauração de toda a ordem, são pontos culminantes de sua a escatologia também.  

HEBREUS E AS EPÍSTOLAS GERAIS

Hebreus

Ladd não entra em detalhes sobre a autoria e destino da carta, mas sugere que são cristãos em eminente risco de apostasia diante do recrudescimento da perseguição mostrando que Jesus é maior e pode ajudá-los (vide capítulo 11 de Hebreus). Assim, a Teologia de Hebreus gira em torno da Cristologia que serve de base para fortalecer os crentes diante da perseguição. O dualismo está presente em Hebreus, há claros conceitos entre aquilo que é cima e o que é de baixo, entre o que é transitório e perene, entre o que é simbólico e o que é real. De fato, a carta aos Hebreus é o bem-sucedido esforço de demonstrar como Cristo cumpre objetivamente todos os símbolos do Antigo Testamento. Jesus é o Senhor e Cristo em Hebreus, mas Hebreus trata da ressurreição apenas uma vez, ou seja, não é temática central em sua construção teológica. Jesus, como sumo-sacerdote, é enfatizado em seu aspecto terreno, mas, sobretudo em seu aspecto espiritual, do alto, mais elevado e superior. O aspecto de Cristo como autor da Nova Aliança é fundamental, já que para Hebreus ele encerra em si tudo aquilo predito, prenunciado e esperado na Antiga Aliança. Ele é quem pode aproximar o homem de Deus e vencer definitivamente as obras satânicas. A vida cristã é vivida pela fé que pode levar o crente a suprema salvação recebendo também, com isto, todas as esperanças e galardões prometidos.  

Tiago

É uma epístola chamada por Ladd de católica, ou seja, geral ou universal, ao lado das outras sete cartas. Ladd discute a questão da autoria e sugere, lidando mais uma vez com o liberalismo teológico da critica textual, sugerindo a autoria entre 125-150 d.C. a teologia de Tiago tem forte ênfase na prática de vida cristã (uso do dinheiro, como tratar os outros, como atender as necessidades dos outros, como lidar com pessoas de alta posição social ou financeira nas reuniões da igreja, etc.) e o fortalecimento diante da perseguição. A igreja em Tiago é composta por anciãos, se reúne na sinagoga (o que coloca a data de autoria antes de 90 d.C.), composta por mestres.

Segundo Ladd, Tiago não tem muito de especial para acrescentar aos aspectos teológicos da Vida Cristã. Diz que o pecado gera a morte, fala da luta contra o Diabo, e trabalha aspectos o ¨já e não ainda¨. Reserva um espaço para se posicionar sobre o debate que vem desde Lutero sobre a canonicidade desta carta, no que diz respeito à comparação entre justificação pela fé em Romanos e Gálatas e a aparentejustificação pelas obras em Tiago. Segundo ele, Paulo está combatendo a piedade legalista judaica e Tiago a ortodoxia morta, ou seja, assuntos diferentes. Ao final do comentário sobre a Teologia de Tiago, Ladd convida seus leitores a procurarem outras literaturas para se familiarizar com a carta e aprofundar aspectos da Vida Cristã em Tiago.

I Pedro

Pedro escreve, segundo o autor, para os gentios. Ele traz consigo uma série e verdade de natureza doutrinária. Fala da ressurreição e deste mundo como sendo um mundo mal. A escatologia petrina é a escatologia da esperança, ou seja, porque o Dia vem devemos nos manter firmes. Deus é soberano e transcendente. O sofrimento é usado para glorificar a Deus, o que podemos considerar uma contribuição importante de Pedro sobre o sofrimento e as desventuras cristãs, mas acentue-se o fato de que se deve sofrer como cristão e não como um pecador qualquer. A cristologia petrina aponta para sua encarnação e relacionamento com os seres humanos. A igreja é nação santa, raça eleita, sacerdócio real, propriedade exclusiva e cita apenas uma vez o batismo e não cita a Ceia.  Quando Pedro afirma que pregou aos mortos, segundo Ladd, significa apenas que anunciou, ou seja, não foi uma pregação para resgate ou arrependimento, mas um simples anúncio. A Vida cristã é manter a firmeza no sofrimento e manter um bom comportamento.

II Pedro e Judas

Ladd lê ambos juntos por considerar que tratam do mesmo assunto e tenham o mesmo propósito: pregar contra os falsos mestres. Ambos são apocalípticos e tratam do conhecimento verdadeiro como relacionamento com Cristo. Pedro trata da inspiração das Escrituras, sobre anjos, a Parousia como certa e parece, segundo Ladd, retrucar às ofensas gnósticas diante de um aparente demora. A carta de Judas carrega quase tudo que está em 2 Pedro. As questões controversas de Judas ele cita, mas não discute, que são o uso de literatura apócrifa no livro, originárias do Apocalipse de 1 Enoque e do Livro da Assunção de Moisés.

Epístolas Joaninas

A primeira Epistola de João tem conteúdo teológico de claro combate a falsos mestres (de um gnosticismo embrionário conforme já vimos anteriormente) que negavam a encarnação. O dualismo é mais uma vez enfatizado, sobretudo no aspecto da luz e das trevas e na experiência com o Logos (Cristo). A Vida Eterna já se manifestou para dar vida (temática semelhante a do Evangelho de João). A figura do Anticristo só aparece em João e esta é a sua contribuição fundamental para o assunto escatológico. A temática do pecado na vida cristã é assunto relevante no aspecto de que o crente não vive em pecado ou não vive pecando, o que pode sugerir um debate, mais uma vez, com a cosmovisão gnóstica que asseverava a libertação do mundo da carne, da realidade material e má pela obtenção de algum conhecimento especial. Vida cristã é vista em seus aspectos de filiação a Cristo, estar em Cristo, permanecer em Cristo (como no Evangelho) e, sobretudo, pelo amor que nos faz filhos e semelhantes a Deus.

1 João fala dos cuidados sobre a hospitalidade a falsos mestres e 2 João uma carta a Gaio a Diótrefes tratando ou de problemas pessoais ou um debate sobre problemas gnósticos. Ladd não afirma nem uma coisa nem outra.

APOCALIPSE

Segundo Ladd é uma Revelação sobre o futuro e a segunda vinda de Cristo. Ele diz que o livro está dividido em quatro grandes visões. O livro pode ser interpretado de cinco formas diferentes. A primeira é a passadista, na qual o livro foi escrito para fortalecimento em tempos difíceis encorajando os crentes a se manterem firmes e indo em frente. A segunda é histórica na qual os vários povos podem ser identificados pelos eventos descritos. Esta é a visão que, segundo ele, dá margem para as variantes milenaristas, pós-milenaristas e amilenaristas. A interpretação simbólico idealista que afirma que os símbolos representam uma serie de forças atuantes no mundo. A quarta é a futurista extrema que dá margem ao dispensacionalismo diferenciando Igreja e Israel e planos distintos para cada um deles. E finalmente o futurista moderado tratando dos eventos que apontam para o fim ainda qu não trata do fim em si mesmo. Esta ultima parece ser a visão que o mesmo apoia.

Na página 831 ele faz uma afirmação interessante afirmando que não pode lidar com toda a teologia do livro, mas apenas tratar da mensagem central em três partes. São as que seguem abaixo.

O problema do mal, ainda que não apresente uma explicação sobre sua origem, apresenta a derrota da besta pela lealdade a Cristo é a chave da vitória.

A visitação da Ira de Deus, coisa que em nenhum outro lugar do Novo Testamento traz de modo tão evidente como em Apocalipse[13]mostrando, sobretudo que tal visitação é uma antecipação de juízos condenatórios. Israel citado é não literal e ele chega a esta conclusão sobre a discutível escolha dos nomes que compõe a lista. Para Ladd a imprecisão de João da a quanto a lista das doze tribos é um indicativo de que o Israel espiritual prevalecerá sobre o Israel étnico.

E ouvi o número dos selados, e eram cento e quarenta e quatro mil selados, de todas as tribos dos filhos de Israel. Da tribo de Judá, havia doze mil selados; da tribo de Rúbem, doze mil selados; da tribo de Gade, doze mil selados; Da tribo de Aser, doze mil selados; da tribo de Naftali, doze mil selados; da tribo de Manassés, doze mil selados; Da tribo de Simeão, doze mil selados; da tribo de Levi, doze mil selados; da tribo de Issacar, doze mil selados; Da tribo de Zebulom, doze mil selados; da tribo de José, doze mil selados; da tribo de Benjamim, doze mil selados. Depois destas coisas olhei, e eis aqui uma multidão, a qual ninguém podia contar, de todas as nações, e tribos, e povos, e línguas, que estavam diante do trono, e perante o Cordeiro, trajando vestes brancas e com palmas nas suas mãos – Apocalipse 7: 4-9.

Por fim, a terceira temática que Ladd quer destacar é a Vinda do Reino de Deus, que virá após a destruição do mal e a das ressurreições e juízos, com homens vivendo em uma Nova Terra e um Novo Céu. E Deus habitando com seu povo.

UNIDADE E DIVERSIDADE NO NOVO TESTAMENTO

Este último capítulo é um apêndice escrito por David Wenham. Neste último momento do livro ele quer destacar as possíveis tensões existentes dentro do Novo Testamento entre os diversos livros, cartas e autores. O principal apontamento recai sobre a tensão entre os ensinos de Paulo e os ensinos de Jesus. Já se falou um pouco sobre isto anteriormente. Por que Paulo não fala das parábolas e não narra os milagres de Jesus em seu ministério? Outra questão é a seguinte: como lidar com as divergências existentes dentro da igreja primitiva, sobretudo quando comparamos Paulo e Antioquia com Pedro, João e Tiago em Jerusalém? É muito comum ouvir analistas e teólogos afirmarem que em Atos 15 temos uma decisão apenas pró-forma no Concílio de Jerusalém e sem maiores consequências sobre os gentios e sobre a vida e teologia de Paulo. Para o primeiro caso podemos ter apenas um silencio, mesmo porque a tradição oral ainda não estava solidificada nos primeiros escritos e Paulo e nem mesmo acessíveis a ele em momento mais tardio de se ministério. Quanto à segunda, há muito mais semelhanças nos ministérios apostólicos como um todo do que divergências, sobretudo nos aspectos mais importante. Voltando aos Concilio de Jerusalém, em Atos 15, o que temos claramente é uma decisão de aceitação dos gentios nos termos paulino e petrinos, com ênfase em que não se contaminem com ídolos e objetos de cultos e alimentação, próprias do paganismo. Segundo Wenham as tentativas de uma harmonização sempre foram muito infelizes, mas nos termos corretos são perfeitamente cabíveis.  

Havia grupos competindo no Novo Testamento, na Igreja Primitiva? Sim, segundo Wenham. O movimento helenístico, os movimentos judaicos e os gentios em geral. Isto pode explicar o porquê do surgimento da aparente tensão entre Paulo e Tiago, quando na verdade eles estavam expondo os dois lados, só que da mesma moeda. Paulo, quanto aos gentios, deve ser visto no constante esforço de conciliar os gentios com Jerusalém e vice-versa.  

Quando a diversidade, Wenham fala de uma ¨evolução de ideias¨. Temáticas como o desenvolvimento da teologia do termo Filho de Deus, pouco presentes nos primeiros movimentos da igreja primitiva, mas muito mais presentes em um segundo momento, a ressurreição como o grande fato histórico do cristianismo primitivo, são exemplos do que seria esta evolução de ideias que podem geral a impressão de diversidade na igreja primitiva e no Novo Testamento.

A unidade do Novo Testamento pode ser vista pela continuidade das ideias. Algumas delas: Cristo retornará logo, mas não antes que algumas coisas aconteçam; o celibato é importante, mas o casamento é especial; o Espirito Santo guia a igreja, mas ela pode constituir a sua liderança. A análise do contexto em cada situação esclarecerá melhor esta continuidade.

Paulo realmente parece não se importar com o Jesus Histórico, mas em sua morte e ressurreição apenas. Mesmo assim, podemos perceber em Paulo comentários que podem ser associados a seu conhecimento das parábolas de Jesus, como por exemplo, o recebimento de tesouros ou depósitos no céu. Podemos ver isto se compararmos Mateus 6: 19, 20 com 2 Timóteo 1: 12, por exemplo. Paulo, como outro exemplo, fala do ministério remunerado, mas Jesus em seu ministério terreno fala de não levar nada, mas falou de levar alforje, espada, etc, logo após sua partida (Lc 22: 35-38). Paulo está sim comprometido com a unidade o Reino de Deus, a justiça e a justificação pela fé comprovam isto também.

Wenham tenta mostrar que o ponto central da Teologia do Novo Testamento é a missão divina de Cristo no Deus que é único. Jesus é o Messias e há uma comunidade dos que querem segui-lo: a igreja, e haverá uma restauração completa em sua volta. Havia alguma diversidade sim por causa das diferentes cosmovisões dos grupos cristãos de então, mas os pontos cardeais de suas teologias eram os mesmos. Deste modo, mais uma vez, vê-se a dificuldade de enxergar a teologia de modo sistemático. Como exemplo, é reproduzido o no apêndice de Davi Wenham o pensamento de J. C. Beker que diz que,

No campo da interpretação podemos considerar como uma realização de Paulo sua capacidade de combinar a particularidade e a universalidade, ou a diversidade e a unidade, de tal modo que o evangelho não seja simplesmente imposto sobre ocasiões históricas como um sistema ortodoxo pronto, nem seja simplesmente fragmentado com intuições fortuitas e acidentais do pensamento… Se os assuntos centrais de Paulo não forem vistos de acordo com sua importância contingencial, eles naufragarão na abstração de um mero sistema. Contudo, a menos que o caráter contingencial do evangelho interaja com a coerência daquilo que é central, a hermenêutica de Paulo se tornará oportunista e incidental, ou até caótica.[14]

Ele continua no parágrafo seguinte dizendo que uma abordagem semelhante é aconselhável para todo o Novo Testamento. E ainda diz a respeito de Ladd e do seu livro Teologia do Novo Testamento,

Este livro pode ser citado com uma evidência deste raciocínio, por tratar deliberadamente as teologias dos diferentes autores do Novo Testamento separadamente, em vez de fazê-lo sinteticamente; Ladd destaca de modo eficaz a rica diversidade do testemunho do Novo Testamento a respeito do Senhor Jesus Cristo, mas, ao longo do processo, também testemunha de modo eloquente a favor de sua unidade.[15]       

A unidade e a diversidade do Novo Testamento funcionam muito mais para o esclarecimento de diversas questões do que para o escurecimento de certos debates e parece haver em Ladd e em seus comentaristas a clara ideia de que há muito mais demérito do que mérito em tentar fechar os sistemas de modo sintético.

COMENTANDO A OBRA DE LADD

Após a leitura é fácil saber por que um livro de 1974 ainda faz diferença depois de passados quase quarenta e dois anos. Mesmo tendo passado por revisões e reedições que modificaram e ampliaram a obra original, sabemos que o conteúdo principal permanece o mesmo. A obra é fundamental para a compreensão da Teologia do Novo Testamento e pode ser lido por iniciantes em Teologia e mesmo por estudantes mais avançados com muito aproveitamento. Nem por isto escapa a críticas negativas. Procuraremos apontar virtudes e defeitos.

O livro é de Teologia, mas tem um aspecto devocional muito interessante, ou seja, serve ao dia a dia da igreja. Veja por exemplo estas palavras, por exemplo, falando sobre a ressurreição,

A ressurreição de Jesus não é simplesmente um evento na histórica. Não deveria ser descrita simplesmente como um evento sobrenatural – um milagre – como se Deus tivesse interferido nas ¨leis da natureza¨. A ressurreição de Jesus não significa nada menos que o aparecimento no cenário da história, de algo que pertence à esfera da eternidade! Sobrenatural? Sim, mas não no sentido usual da palavra. Não é a ¨perturbação¨ do curso normal dos eventos; é a manifestação de algo completamente novo. A vida eterna apareceu no meio da imortalidade.

Ele mostra assim, que uma óbvia vantagem da Teologia Bíblica sobre a Teologia Sistemática é o afastamento de uma teologia fria de simples construção doutrinária e a aproximação de uma teologia prática, experiencial e existencial a partir da aproximação dos personagens bíblicos e de suas ideias em seus contextos, ou seja, sem fugir das tensões nas quais viviam e fizeram suas afirmações. De fato, se levada a sério, a Teologia Sistemática tem a gigantesca tarefa de articular texto por texto que apresenta em seu contexto tornando-se um empreendimento inviável e de resultado muito duvidoso. O estudo da hermenêutica nos mostra claramente que a linguagem dos autores bíblicos é nitidamente passional e a teologia bíblica pode ser uma ferramenta muito mais eficiente para nos aproximar da verdade teológica de cada texto que foi obscurecida pelo Iluminismo que tinha a razão como seu precedente[16].     Carson também adverte sobre os riscos da exegese e da hermenêutica sob a influencia da Teologia sistemática, que não leva em conta o que o texto realmente diz porque 

Por um lado, existe o perigo de sucumbir a um biblicismo descuidado que interpreta e traduz textos sem de fato buscar uma síntese que realmente preserve a fidelidade bíblica; por outro lado, há o risco de confiar nas fórmulas confessionais sem que sejamos capazes de explicar com alguma profundidade como elas são frutos das reflexões acerca do que a Bíblia de fato diz.[17]

Ainda sob estes aspectos devemos lembrar que a veia pastoral de Ladd está presente e podemos coloca-lo sem maiores observações no rol de teólogos orgânicos, ou seja, aqueles que constroem Teologia para a Igreja, tornando conceitos complexos acessíveis e procurando lidar com assuntos de modo mais exaustivo e completo, respeitando, mesmo assim os limites da compreensão humana e das condições atuais de pesquisa. Existe a humildade de negar a possiblidade de obter um conhecimento completo e inerrante a respeito de certos assuntos.

A coluna mestre para ele é a Heilgeschicht(A história da Salvação) qual ele afirma que Pedro, por exemplo, reinterpretou todo o Antigo Testamento da perspectiva da morte, ressurreição, ascensão e segunda vinda de Cristo na qual sua tarefa messiânica se completa quando consumar a redenção da humanidade[18]. Nas aulas ministradas no curso de Teologia Bíblica no Seminário Servo de Cristo em fevereiro de 2016 foi possível analisar um fluxograma muito apropriado sobre a história da salvação como elo entre o AT e o NT e como a coluna mestre do próprio NT. Vale destacar do fluxograma: criação, humanidade, Israel, Cristo, igreja, humanidade e Nova Criação. Ou seja, após a Criação temos a queda da humanidade, Deus chama Israel por meio de quem veio o Cristo, Cristo salva por meio de sua Igreja toda a humanidade caída e enfim temos uma Nova Criação. O esquema adotado por Ladd parece de alguma forma seguir o mesmo esquema, pois em todos os capítulos ele procura pensar nos fundamentos da vida cristã da perspectiva da Vida de Cristo e os eventos culminantes escatologicamente em todas as situações. Há uma relevância fundamental neste esquema para a teologia contemporânea por descrever uma metanarrativaque alicerce a realidade espiritual em Cristo. A História da Salvação é esta grande metanarrativa. Há fundamentos e propósitos para a criação da humanidade e as respostas sem encontram em Cristo, e em sua Palavra. Poderíamos falar de uma Hermenêutica a partir da História da Salvação? É certo que sim.  Ladd sem dúvida aprovaria esta ideia porque as últimas palavras do próprio livro corroboram isto: ¨essa é a meta de longo prazo da história da Salvação.¨[19]

Ladd, fazendo juz ao questionamento da Dogmática e da Sistemática, não tem receios em questionar alguns fundamentos de sua denominação (Batista) como no caso em que falando da igreja primitiva afirma que alguns interpretam a Ceia de modo sacramental e outros de modo simbólico, mas o que deve prevalecer é a identificação de cada crente com Cristo em sua morte[20], já que esta é a reflexão sugerida por Cristo e por Paulo àquele momento. Esta coragem é bastante sugestiva. Se por um lado alguns em nosso tempo se tornaram grandes críticos da noiva de Cristo, por outro lado nenhuma forma de obediência cega, por mais piedosa que seja, deve ser incentivada. É tarefa da Teologia o saber o porquê das coisas, buscando respostas em sua origem, fundamentos e interpretações de cada um dos evangelistas e escritos do NT.    

Mesmo tentando preservar uma abordagem mais conservadora, fazendo constantemente comparações com a obra de Rudolph Bultmann, com destaque para o capítulo 14, citando, constantemente, Karl Barth, da neo-ortodoxia, mas que tinha uma visão diferenciada da inspiração, ainda sim Ladd cita a hipótese do documento Q diversas vezes (páginas 264, 273, 366, 869, etc.) como uma verdade a ser defendida ou solidificada em seu tempo. Não podemos perder de vista que tal documento jamais foi encontrado, que a hipótese data do período do liberalismo religioso, que se trata de uma hipótese, e que muitos estudiosos sérios do nosso tempo consideram esta hipótese como algo impossível. É o caso de Eric Mauerhofer em seu livro Uma Introdução aos escritos do Novo Testamento da Editora Vida, no qual ele trabalha a hipótese de que Mateus, por exemplo, tenha sido escrito por volta de 40 a 45 d.C. tendo como fonte seu próprio testemunho, à partir de possíveis anotações[21]ao longo do ministério de Cristo, vindo a completar sua obra poucos anos depois da Assunção. Lucas, por sua vez, teria se valido de Mateus e Marcos, entrevistas com outras testemunhas e registrados os Agraphas (não escritos, ou tradição oral) e ainda de valido de outra série de escritos que poderiam circular na época, mas, como diz o seu próprio Evangelho, após pesquisa e avaliação. A hipótese do documento Q é desnecessária e improvável.

Ainda outra dificuldade, podemos perguntar: não poderia haver um prisma pelo qual as críticas à Teologia Sistemática sirvam também como críticas à Teologia Bíblica? A frieza da doutrina e os distanciamentos das tensões e problemáticas bíblicas, usadas como acusação desfavorável à validade da Dogmática ou da Sistemática, podem ser substituídos por um mosaico de cores, aparentemente desconexas e isoladas da Teologia Bíblica? O vazio não seria outro vazio, mas ainda sim um vazio? O que podemos sugerir é que todas as temáticas, assim como o próprio Ladd indica ao procurar seguir o fluxo natural do Novo Testamento, ou seja, levantando cada tema à medida que eles vão surgindo no texto e, para isto, podemos lembrar-nos que ele começa sua análise do Novo Testamento analisando a vida de João Batista e não outra temática como o nascimento de Cristo, por exemplo, devam necessariamente ser postos lado a lado, ou seja, comparar a abordagem de cada texto e autor do Novo Testamento e reconhecendo seus complementos, tensões e até mesmo suas aparentes contradições. Nos últimos tempos temos acompanhado o empenho da teologia em uma leitura canônica do texto bíblico, na qual todo o texto é levado em consideração assim como seu uso ao longo de toda histórica da igreja. Para isto, podemos destacar o trabalho que vendo sendo realizado desde 1996 por Kevin J. Vanhoozer em livro como O Drama da Doutrina e em seu outro livro seguido ao primeiro, mas na mesma linha de pensamento, em português chamado Encenando o Drama da Doutrina, ambos lançados em português pela Editora Vida Nova, no qual ele procura estabelecer a conexão entre o texto bíblico como uma grande narrativa da história da salvação, toda a tradição da igreja na interpretação do texto bíblico e, como de forma concreta a Bíblia impõe a sua relevância para qualquer geração que seja. Para isto, ele recorre aos elementos do teatro no qual a grande metanarrativa (o enredo, a história, os personagens, tensões, dramas, palco, etc.) da qual somos participantes, e qual o papel de cada um nesta grande história. Neste sentido, talvez careçamos de uma revisão da Teologia Sistemática, agora não mais como a mãe da doutrina, mas agora como uma ferramenta coadjuvante na compreensão doutrinária. A Teologia Bíblica, por sua vez, como juíza e fiscalizadora de possíveis incongruências da Sistemática. É sempre bom lembrar que o texto é também ferramenta humana e que a Teologia carece de tempos em tempos de revisões à luz de novas descobertas, à luz de novos desafios e à luz da própria mudança na linguagem e entendimento humanos.  

O livro não possui um padrão de escrita, ou parece ser abandonado depois da Teologia Paulina. Alguns capítulos apresentam resumos finais e outros não. Alguns são divididos em tópicos e outros não, assim como grifos e outras variantes. Isto pode prejudicar um pouco o caráter didático aparentemente pretendido pelo autor e seus editores.  Ele dá muita atenção ao Evangelho de João e a Paulo e parece se importar menos com os Evangelhos Sinóticos e as demais cartas. Passando a Teologia Paulina, chegando às epístolas gerais, o livro segue um fluxo muito rápido e menos profundo. Podemos supor algum cansaço do autor diante de uma tarefa tão grande apressando-se ao final do livro e sugerindo aos leitores que há ainda uma enormidade de temas teológicos nos livros, como Apocalipse, por exemplo, e deixando a critério dos leitores a conclusão? Podemos afirmar que os temas talvez se repetissem?  É preferível pensar que a tarefa é de tal monta que deva ser levada adiantes pelos leitores e novas descobertas possam ser estabelecidas. Ladd, no mínimo aponta um caminho seguro para o desenvolvimento sadio de uma Teologia do Novo Testamento.

BIBLIOGRAFIA

CARSON, D. A. Jesus o Filho de Deus – o título cristológico muitas vezes negligenciado, às vezes mal compreendido e atualmente questionado. São Paulo: Vida Nova, 2015. 126 pág.

LADD. George Eldon. Teologia do Novo Testamento – Edição Revisada. São Paulo: Hagnos, 2003, Reimpressão 2014. 901 pág.

MACGRATH, Alister. Paixão pela verdade – a coerência intelectual do evangelicalismo. São Paulo: Shedd, 2007. 239 pág.   

MAUERHOFER, Eric. Uma Introdução aos Escritos do Novo Testamento. São Paulo: Vida, 2010. 622 pág.

ORRÚ, Gervásio Francisco. Os Manuscritos de Qumram e o Novo Testamento. São Paulo, Vida Nova, 1993. 87 pág. 

VANHOOZER, Kevin J. Encenando o Drama da Doutrina – Teologia a serviço da Igreja. São Paulo: Vida Nova, 2016. 349 pág.

___________________.  O Drama da Doutrina – uma abordagem canônico-linguística da teologia Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2016. 509 pág.

MATERIAIS DE SALA DE AULA E DE APOIO

Slides do Prof. Dr. Estevan Kirschner sobre Teologia Bíblica do AT

Slides do Prof. Dr. Johannes Bergman sobre Teologia Bíblica do AT e do NT.

SITES DA INTERNET

pt.wikipedia.org


[1][1] Pág. 31. 

[2] Pág. 78.

[3] Pág. 191.

[4] Segundo muitos comentaristas e estudiosos, não podemos realmente falar de Gnosticiscmo no cristianismo antes do final do século II como uma doutrina estruturada. Assim, João estaria lidando com a influência inicial do helenismo no cristianismo.  

[5] Estas ideias e afirmações estão mais presentes nas Epístolas Gerais de João mais à frente, mas defendemos a ideia de que sejam da mesma autoria e vindicamos tal compreensão.

[6] Para uma melhor discussão sobre as diferenças e semelhanças entre os dualismo cristão e da Comunidade de Qumram, podemos indicar o pequeno, mas importante livro de Gervásio Francisco Orrú da Editora Vida Nova. Inclui a desconstrução da filiação de João Batista e de Jesus à comunidade de Qumram e quaisquer outros débitos da igreja Primitiva relativamente a mesma comunidade.

[7] Pág. 403.

[8] Durante as aulas vimos com os capítulo 6 de Romanos no qual Paulo afirma que é impossível ao homem justificar-se e viver por meio dos seus próprios esforços em obedecer a lei, em Romanos 7 da impossibilidade do homem conduzir-se pela caminho da vida, e apenas finalmente no capítulo  8 de que está possibilidade está na Vida no Espírito, tendo o capítulo 5 como prelúdio desta obra de Cristo sobre a vida dos que creem.

[9] O texto de Romanos 2: 14, mostra que mesmo os gentios estão sujeitos a lei e podem ou não cumpri-la de acordo com suas obras e vida, mesmo não tendo o conhecimento teórico da letra da lei, conforme é possível a um judeu ou mesmo a um cristão ou a qualquer um que tenha contato com as Escrituras. 

[10] Pág. 704.  

[11] Paulo em Efésios 5 usa o casamento como metáfora do relacionamento de Cristo com sua igreja mostrando assim sua grande consideração pela instituição do casamento.  

[12] Pág. 710.

[13] Pág. 833.

[14] Pág. 881.

[15] Pág. 882.

[16] Alister MacGrath. Paixão pela verdade – a coerência intelectual do evangelicalismo. São Paulo: Shedd, 2007. Página 87. Neste parágrafo ele está citando o teólogo Johann Philip Gabler, da Universidade de Altdorf, em palestra realizada em 1787 já criticando e propondo alternativas para a então Teologia Dogmática.

[17] D. A. Carson. Jesus o Filho de Deus – o título cristológico muitas vezes negligenciado, às vezes mal compreendido e atualmente questionado. São Paulo: Vida Nova, 2015. Página 82. 

[18] Pág. 478.

[19] Pág. 839.

[20] Pág. 731.

[21] Mateus, como cobrador de impostos, possui capacidade de fazer notas e era minimamente alfabetizado. 

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