QUMRAN E O NOVO TESTAMENTO DE GERVÁSIO FRANCISCO ORRÚ – BREVE RESENHA E APRESENTAÇÃO

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ORRÚ, Gervásio Francisco. Os Manuscritos do Mar Morto e o Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1993. 87 pág. ***

Quem julga um livro pelo seu tamanho pode se enganar. Este é um dos casos. Alguns autores, por motivos justos, é claro, são exaustivos em seu trabalhos, tentando eliminar todas as tensões e discutindo, no caso da análise bíblica e histórica, texto por texto. Fica pouco trabalho para os leitores, mas procuram também fechar as portas em torno dos seus argumentos. Não é este o caso deste livro. Pequeno, pontual, decisivo, mas deixa portas abertas.

Com a imensa e vasta gama de informações que dispomos hoje por causa das diversas ferramentas da internet (sites, blogs, vlogs, etc.), a primeira tarefa do estudante, ou de qualquer um que se interesse por qualquer assunto, seja o de primeiro ter uma compreensão geral de um assunto, lançando-se com mais profundidade em momentos posteriores. O próprio exercício da pesquisa ajuda a ajustar posicionamento crítico para separar o ¨joio do trigo¨.  Estas observações cabem muito bem a este livreto (no tamanho, não no conteúdo).

O livro é produto do trabalho de mestrado no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, no Rio do Janeiro do autor Gervásio Francisco Orrú. Produto de muita pesquisa, como prefaciado pelo Ph. D. Russel P. Shedd.

A descoberta das 11 cavernas onde se encontravam os manuscritos da Comunidade Essênia de Qumran no Mar Morto por um incidente em 1947, a 16 km da zona da maior atividade de seus contemporâneos Jesus e João Batista, deixaram assombro, dúvidas e inquietações para os estudiosos, admiradores e, sobretudo, nos próprios Cristãos. E ainda deixam. Por que Jesus se refere aos saduceus e fariseus com tanto ímpeto e não há uma referência (pelo menos direta) sobre os essênios no Novo Testamento? Jesus e João Batista foram essênios? Paulo foi um essênio? Como lidar com as semelhanças entre as referências em vários livros e cartas do Novo Testamento com textos e interpretações particulares descritas nos manuscritos do Mar Morto? Existiu alguma atividade essênia após as invasões romanas e toda sorte de ataques que as comunidades judaicas sofreram em meados dos anos 68 d.C., culminando com a destruição de Jerusalém em 70 d.C?

Para todas estas perguntas o livro do Gervásio F. Orrú apresenta alguma resposta. Ele teve acesso aos documentos dos estudiosos na área e a principal literatura em Francês, Alemão e Inglês nos idos de 1990. Sabemos que a pesquisa avançou e que temos novas informações, mas este livro é fundamental para quem inicia sua busca por conhecimento destes que foram os mais importantes documentos encontrados no século XX e, obviamente, da comunidade que o produziu.

O início da comunidade essênia se confunde com o início do período de Independência Judaica do Helenismo empreendido por Alexandre o Grande e continuado por Antíoco IV Epifânio. Esta indicação é clara pela citação de Onias (sumo-sacerdote deposto por Antíoco e substituído por Jasom) tido como provável Mestre da Justiça (elemento peculiar da comunidade essênia) e a identificação de Meneleu (falso sumo-sacerdote, e instituidor da simonia) identificado com o Mestre da Impiedade. Mas estes indicações são apenas suposições.

A comunidade se destaca pela vida simples desapegada totalmente de bens materiais, severa, de estudos da Lei e de vida devocional diária e extensa. Produziram muito material, incluindo cópias de todo o Antigo Testamento (menos o livro de Ester), comentários (Pesher), códigos da Comunidade (uma espécie de Regulamento Interno da Comunidade), entre outros. Deste modo, possuíam códigos muito claros de adesão à comunidade e de exclusão da mesma, além de uma visão bastante severa daqueles que não faziam parte da comunidade, o que os caracterizava como uma comunidade exclusivista. Sua comunidade incluía celibatários e homens casados.

Suas caraterísticas apocalípticas, sua vida comunitária, sua visão de mundo a partir da interpretação da Lei de Moisés, a vida de retidão e serviço como sinal da presença do Reino de Deus, a compreensão do caráter intervencionista de Deus no sentido de definir a velha batalha entre Luz e Trevas, são algumas das características similares da Comunidade Essênia de Qumran como os cristãos primitivos e com o Novo Testamento.

Seu caráter isolacionista, sua intolerância para com os de fora da comunidade que se aliava a compreensão dos mesmos como sendo inimigos dos que andam na Luz, sua esperança Messiânica ainda futura, a exigência do abandono dos bens em benefício da comunidade, a visão do celibato, a visão de um Mestre da Justiça e da Impiedade, por outro lado, são elementos distintivos entre o cristianismo e a Comunidade de Qunram.

A conclusão do autor é esta mesma. Não podemos nos empolgar demais e acabar enxergando coisas que não existem, nem tampouco nos afastarmos tanto da questão e não enxergamos a contribuição que eles nos dão para compreensão, não apenas do Cristianismo do primeiro século, mas da própria fé cristã. É o que acontece, por exemplo, quanto a interpretação e tradução de Lucas 2. 14: ¨… e paz na terra aos homens, a quem Ele quer bem¨, vindo do grego anthropois eudokias, traduzido em muitas versões de diferentes formas, como por exemplo: entre os homens a quem ele quer bem, aos homens que ele ama, aos homens de benquerença, aos homens de boa vontade, quando na verdade, ¨entre os homens a quem Ele escolheu graciosamente¨, parece se encaixar melhor.
Parece não haver dúvidas quanto ao contato de Jesus, João Batista, Paulo, demais autores do Novo Testamento e dos cristãos primitivos com a comunidade dos essênios, mas também não restam dúvidas de que o cristianismo se apresenta com características totalmente distintas daquelas que os caracterizavam. Nos valendo da interpretação de alguém de que ¨os manuscritos do Mar Morto são o Novo Testamento sem a pessoa de Jesus Cristo¨, e, claro, talvez seja o elemento mais gritantemente diferente.
87 páginas, isto mesmo, apenas 87 páginas e você está dentro do assunto.

*** Em 1993 parece que não havia necessidade das Editoras publicarem os dados para catalogação e citação dos livros. Por isto, estas indicações seguem o padrão mais atual.

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