A mentalidade da pressuposicionalidade como vacina contra o racionalismo: uma reflexão a partir de Soren Kierkegaard em Paixão pelo Paradoxo[1]
A apologética pressuposicionalista possui as suas limitações e está sujeita a críticas, mas, ainda assim, apresenta vantagens sobre as apologéticas racionalistas e evidencialistas. Assim como discutimos a Teologia Apofática e Catafática, a questão premente é fenomenológica, ou seja, como conhecemos e, ainda antes disto, se é possível conhecer algo e/ou a Deus. As maiores contribuições neste sentido vem da escola neocalvinista holandesa representada por Abraham Kuyper, Herman Dooyeweerd, Cornelius Van Til e Herman Bavinck, mas não sem contribuições importantes do passado, como do próprio Calvino e de Sören Aabye Kiekegaard.
Basicamente, dizem respeito aos efeitos noéticos (na mente) do pecado, a falácia da autonomia da razão e a impossibilidade, por estes mesmos motivos, de uma teologia natural[2].
Contemporâneos ignoram aquilo que amplamente foi trabalhado pela teologia protestante mais antiga quanto recente: o pecado atingiu a totalidade da existência humana o que inclui, obviamente, a mente. Dá-se esta, sobretudo, pela desconexão daquela parte, se assim pode ser chamada, com a realidade primeira e última. A autonomia, tão louvada, representa, per si, desconexão, desalinhamento e alienação. Viver sobriamente (para dentro), justamente (para fora) e piedosamente (para cima) é uma impossibilidade para o homem natural vendido ao pecado[3].
O racionalismo contemporâneo, fortemente amparado pelo cientificismo, ainda cogita, a partir da mente caída, a excelência de uma verdade isenta de erros, mesmo partindo do homem.
Esbarra nas mesmas fragilidades a possibilidade de uma teologia natural, aquela que se dispõe a analisar os atributos divinos e os fundamentos da religião a partir dos fundamentos da filosofia, isentas de sobrenaturalismo e intervenções impossíveis, ou improváveis, da dita ordem natural[4].
O evidencialismo, além das mesmas controvérsias e inconsistências, soma, ao atributo limitado da razão, o tatear no escuro da existência material os sinais da transcendência, confundindo, mais uma vez, criador e Criatura.
O racionalismo, assim como o evidencialismo, são pensamentos para (ou na direção de) e não a partir de. O pressuposicionalismo, como pensamento a partir de, tem a revelação como fundamento da razão e não o contrário. O caminho para o conhecimento de Deus começa nele mesmo. Nenhum caminho contrário é possível.
A acusação de anti-racionalismo e anti-cientificismo facilmente surge, mas não representa o pensamento aqui apresentado. Pelo contrário, dá à razão e à ciência seu verdadeiro lugar. As definições da razão ainda esbarram na vontade, sentimento e emoções processadas pelos órgãos dos sentidos, pela experiência (cultura) e pela necessidade natural humana de sobrevivência e eternidade[5], enquanto homens. A ciência, um construto semelhante, como um tentativa de dominar a natureza, mas sem alcançar seu fundamento teleológico[6]por estes mesmos atos.
Ao contrário, o pressuposicionalismo faz isto sem perder-se daquilo.
Primeiramente, preserva e justifica o motivo-base criação, queda, redenção e consumação, como fundamento existencial, dando à criação significado e direcionamento. Em segundo lugar, preserva a distinção Criador-criatura. Em terceiro lugar, estabelece os limites, agora então racionais, da própria razão (não com auto limitadora, mas como a que compreende seus próprios limites) e da ciência. Em quarto lugar, confere à fé a luz necessária para não buscar na natureza a sua auto compreensão e, nem mesmo permitir uma relação para o divino, mas a partir do divino.
Notas:
[1]GOUVÊA, Ricardo Quadros. Paixão pelo paradoxo: uma introdução a Kierkegaard. São Paulo: Fonte Editorial, 2006.
[2]Ibid. p. 221-230.
[3]GUEVARA, Alfonso. Pastores de carne e osso: o perfil da integridade pastoral. Rio de Janeiro: BVBooks, 2017, p. 187-188.
[4]O Tomismo, ou ainda mais bem representada pela Escolástica. Era um diálogo necessário ao seu tempo, mas seus tentáculos perduraram.
[5] Aqui é uma referência a perpetuação da espécie pela reprodução e dominação.
[6]Há propósito no fundamento da natureza que não é mensurável e nem mesmo alcançável pelos meios científicos.