CARTA AO MINISTÉRIO DE LOUVOR

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Louvadores, cantores e adoradores?[1]

Carta aberta aos Ministros de Louvor

Nova Criatura: Cantai ao Senhor um Cântico Novo

Olhos fechados, mas as mãos totalmente livres para adorá-lo, público, luzes ou escuridade. O que canta se apresenta, mas o que louva se oculta fazendo outro brilho, que não o seu, surgir, ou entre trevas, ou mais forte que a luz presente[2].  O que canta se mostra, busca aparecer. O que louva, por sua vez, procurar apresentar, não a si, mas a Deus. Maior dificuldade tem o que canta porque tudo dele mesmo depende: a qualidade, a voz, o texto, a roupa, o ânimo e, ainda pior, depende dos outros: seu estado de espírito, seu gosto por aquilo, sua afinidade, sua capacidade de sentir o mesmo, de entender. O que louva se isenta de todas estas vergonhas: é esquecido, se oculta, se deixa usar. Vê os outros como ele mesmo, desaparece… Mesmo que esteja à frente[3].

Lendo a Escritura vemos o Salmista dizer: “Cantai ao Senhor”. Um hiato de 3000 a 4000 anos passados mudou não somente a forma, mas o próprio sentido do todo.

Mas que loucura é esta de distinguir o indistinguível, se o que louva canta, mesmo que o que cante nem sempre louve, o qual não é o nosso caso, porque falamos da igreja. Porque se na igreja não se louva, não pode ser considerado apenas como não estando a cantar, porque na verdade se envaidece, comete loucura e vergonha, sai do propósito – Peca! Vejamos se a Bíblia faz caso deste assunto ou se malhamos em ferro frio, trabalhando à toa.

Como?

Comecemos pelo meio. Davi, homem segundo o Coração de Deus, tangia sua harpa. Davi não era qualquer um dos filhos de Jessé. Sua harpa não era como qualquer dos instrumentos. Suas mãos não eram quaisquer mãos[4]. Seus efeitos não eram quaisquer efeitos.

O que mais se deve apreciar: homens adultos, tidos por maduros, guerreiros de sangue, cheios de si, cuja força, beleza física, voz grossa, pele de sol, clamariam mais para aguçar a inveja, o despeito, o desrespeito, a competição; corroborando ainda mais para vergonha da nação já tão denegrida pela Filístia? Ou alguns ruivos, magros, e mal cheirosos momentos, que redundassem em poder e soberania da nação de Israel? Ninguém em sã consciência exitaria – prefiro os poucos momentos de vergonha! Assim Deus o mediu. Por um momento de vergonha – os portais gloriosos. Pelo pequeno – a grandeza. Pelo fraco – o domínio pelos séculos dos séculos. Pelo rejeitado – o Desejado das Nações[5]! É justo, bom e cristão que comecemos pela vergonha para alcançar a glória (se esta já não é a regra desde a cruz!). É justo começar pela cruz e terminar pela ressurreição. Como é justo começar a vida pela morte.

O louvor é muito mais demonstração de fraqueza do que de força. De vergonha do que de alegria. De peso do que de alívio. O “Como?” Parece ser a primeira pergunta porque nos remete aos princípios. E, interessantemente, remete-se a nós, o ser, e não às coisas. De Davi temos, por certo, bom testemunho para assegurar tal crença. De tão aceitos seus louvores se encontram como Palavra de Deus. De tão profundos, como descrições das glórias ainda não vistas por olhos humanos. Cânticos dos degraus[6]. Degraus para a Jerusalém de Judá. Para a Jerusalém Celestial[7].  Veja que o Altíssimo não seleciona pela aparência porque não pensa em resultados apenas no temporal, terreno e imediato, mas, no atemporal, celestial e mediato.

O que dizer de sua harpa. Pela ferramenta há de se julgar o trabalhador. Usaria o pedreiro o formão de esculpir ou o que esculpi a pá e a enxada, por certo que seja possível, mas qual o fim da obra? Do mesmo modo venceu e se tornou honrado não aquele que empunha a lança simplesmente, porque nela não há graça nem mesmo Graça, senão sangue e morte. Como haveria de conduzir, o que apenas empunha uma lança, uma Grande Nação? Por certo mais amor e beleza, como graça sobre a Graça se esperaria do Principal do povo de Deus. E era assim, Davi, ainda que menor, amansava com seus dedos, provavelmente finos e longos, o gigante, homem de guerra, rei de uma grande nação, e que empunhava uma lança[8].  Ora, que poder teriam as muitas cordas por si, senão o poder que tinha nas mãos do tocador certo? Eis aí mais um mistério. Não precisa apenas de vontade e qualidade, quer cante, quer louve, quer adore, precisa de ferramentas, e ferramentas que sejam boas, estudadas, bem cuidadas e muito bem usadas. Ora, e do que servem as ferramentas senão para formar, transformar, quebrar, moldar, unir, separar? Era assim que acontecia, tocava a harpa aquietava-lhe o espírito. O mesmo instrumento, ainda em outras mãos mui honrosas, figurou em grandes momentos, transformando-os. Ora em festas, ora junto a Grande Arca, diante de reis e príncipes[9].  Ciúme, e não outra palavra descreve o relacionamento do músico com seu instrumento. Caixinha correta, nem grande nem pequena, acolchoada internamente, pano de limpeza. Mãos, ou quem sabe lábios ou mesmo pés, limpos e cuidados. Seu valor não está só no preço, no custo, mas no resultado que produz, no efeito, no prazer. Por poucos que sejam os momentos, seja qual o ambiente, notas e acordes simples, melodia sem complexidade, mas tocada com esmero e amor, tiram-no da mortalidade, viagem no tempo, e por não dizer, no espaço.

Já não é de hoje que se chama atenção ao trabalho do formigueiro. Ainda que não tenham cérebro tão grande quanto o nosso, parece que a consciência é quem realmente toma mais espaço. Talvez seja este o motivo, espaço demais ocupado para dar lugar à razão, à lógica, ao óbvio. É triste que alguns comecem pelos sonhos para ir ao trabalho. O trabalho dá a dimensão dos sonhos e o alcance dos olhos aos horizontes, não sendo um erro sonhar, mas simplesmente começar pelo sonho[10]. Antes de Rei fora pastor, antes de guiar uma nação guiara ovelhas, antes dos Salmos a funda e a harpa, no penoso trabalho de salvaguardar o ingrato Rei. Ao que é puro de mãos é permitido o louvor. Não seria, por certo, a pureza isenção de sujeira, entenda-se aqui. Há a sujeira da desonestidade que não se limpa com água, senão com as das lágrimas arrependidas. Mas a sujeira do trabalho, que esconde, e não poderia ser diferente, o labor, a honestidade, e porque não, a sujeira que encobre de modo digno a pureza. Para o louvor não podiam ser quaisquer mãos. Nem agora o podem ser e se engana quem pensa o contrário.

Há de se condenar os efeitos e poderes do louvor? Por certo que não. Leia-se com sabedoria. Ora aliviava o espírito, ora abrilhantava a festa, ora levava até mesmo o rei ao êxtase. Figura de linguagem? Talvez. Reações humanas não desejadas por Deus? Duvido. Na criação, por certo sem fundo musical, não se permitiu ficar sem poesia tal maravilha[11], não que lhe acrescentasse significado mais somasse aos mortais o peso da beleza. A saída do Egito não está narrada apenas nas tábuas, livros, pergaminhos, mas em cânticos, profissões de fé e festividades – eles não eliminam mais egípcios, não alargam as paredes do Mar Vermelho, não asseguram maiores bênçãos durante a peregrinação, mas mostram a maravilha do acontecido, com certeza em tom muito menor do que o real. Não há de se condenar os efeitos e poderes do louvor, pelo contrário há de se enfatizá-los por que sempre estarão aquém, jamais além, daquilo que procuram apenas ilustrar – jamais mostrar. Ora, a graça não é graça se não se manifesta, amor não o é sem demonstração. Fé sem obras? Onde está. Se jamais tangera sua harpa, Davi jamais consolaria o Rei. Porque se o efeito e o poder não estão no homem Davi, não está na mão do mesmo, no seu trabalho, tampouco sem quaisquer destes itens sem importância aquilo que realmente importa os efeitos e poderes, não vêem a lume. Que se termine com poder aquilo que se inicia com pureza, beleza e trabalho e cumpra com seus propósitos.

Assim, com o coração puro, alma voltada a Deus, na simplicidade da forma e do conteúdo.

Quem?

Intrigante mesmo é o Testamento Novo. Exige mesmo do que busca muito cuidado e carinho como se fosse mistério oculto, Pérola para não ser encontrada por qualquer porco – Cuidado de Deus! Desaparecem cantores e louvadores (se é que um dia existiram!), e surge o adorador. Relacionar isto, tarefa das mais fáceis, digerir nem tanto. Numa ilha deserta e cercada de coqueiros é impossível que alguém se sujeite à morte pela sede. Pela fome talvez[12]. Antes de ser retirado do topo do coqueiro e passar pelo esforço de romper a casca, não há recompensa. Do que falamos? Ora, como perguntas, do que falamos? Respondo com pergunta – da mulher de Samaria, quem mais?

Cuidava que ia matar sua sede, resguardada daqueles que lhe tinham maior preconceito. Fica claro que seu coração, apesar de tudo, ansiava por Deus. Buscá-lo sozinha? Como? Não sabia nem mesmo onde Ele estava – como encontrá-lo? Assim, dia após dia, buscava matar sua sede, que insistentemente voltava a cada manhã. Maldita, então, era a água! Água fraca e sem sentido! Mas não ousaria pensar assim, nem sequer pensava no caso. Afinal, Fonte de Água Adorável, Fonte de Jacó, terra de José, o Libertador[13]. Os primeiros momentos daquele encontro, talvez, tenham a princípio aumentado ainda mais dor, o desespero e a solidão. Até agora só sofria preconceito, discriminação e rejeição, como se fosse pouco. Agora, “com aquele judeu, inimigo meu, tenho como breve futuro um destino só – a morte!” Mas como não se entregara até agora a amargura e a tristeza, não parecia cogitar da morte, tendo se tornada mestra em sobreviver nas dificuldades. Esperou um pouco, ouviu – “Dá-me de beber!”. Cena tão estranha talvez despertara curiosidade. Ou lhe era peculiar à curiosidade, já que os reveses lha instigassem a busca do sentido da fé e mesmo da vida. Pode ser que naquele horário[14], naquelas condições, um louco rejeitado, como ela mesma era; ou como vejo hoje, consideramos; aparecesse para reclamar da sorte (ou da falta dela!).

O rumo da prosa toma rumo totalmente novo. À desprezada, solitária, confusa, indefesa, alheia a revelação do Ser – Onde me Encontrar? Como me Encontrar? Como me Chamar? Aos Fariseus, escribas e líderes, com belas vestes, belos discursos, lugares cativos nas praças para demonstrações de religiosidade, fé, devoção e santidade, resposta avessa – Não estou aqui! Parecia mesmo que Ele queria ser encontrado por quem ele quisesse ser encontrado, como que escolhendo por que lábios ser louvado, por que lábios ser pregado (e não na cruz, entenda!), por que lábios ser testemunhado. Concepção estranha esta do mestre de escolher o pior, o rejeitado, o alheio e estranho.

Mas, quem há que anseie por aquilo que lhe sobra? Ou pior, quem há que anseie, e cegamente anseie, por aquilo que apenas julga ter de sobra, porque de fato não tem? Assim eram os seus acusadores, não buscavam aquilo que julgavam ter alcançado sem perceber o quanto estavam longe. Há miséria maior do que esta de considerar seu o que não tem? Mais uma vez o paradoxo se abrilhanta – vemos se queixando quem tem, julgando que não tenha? Sim é o que vemos. E nisto não há miséria, pelo contrário, a mais bela riqueza. Dá-se neste caso a humildade mais pura por que é involuntária. Sua dúvida na verdade se mostra mais nobre que a certeza de seus opressores. Seu questionamento de onde, referindo-se ao local físico explode na mais bela resposta – não “onde”, mas quem?

Aprofunda-se ainda mais o mistério. Na sua ingenuidade aceitou a água, mesmo ansiou por ela, não água, mas “A Água”. Grande foi sua prontidão. Tal a que se espera daqueles de “espírito e verdade”. O Espírito sempre presente e a Verdade toda envolvente. A prontidão da adoração exige vida, porque a boca há de falar daquilo que enche o coração. Nela não há mecanicismo, pois o mesmo não permite dúvida, porque considera mais importante apenas funcionar. Seria perfeita a mesma, espontaneidade pura e sinceridade, reputação péssima, mas coração muito puro, puríssimo. Pureza presente na vergonha do pecado também presente. O verdadeiro louvor não procede do “santo”, em quem não há “dolo”, no nosso caso na verdade, daquele que goza de boa reputação de seus patrícios, pelo contrário, do pecador mais sórdido, o pecador convicto. “Bem-aventurado aquele que sabe que suas mãos estão sujas”.

Há de se considerar ainda que o louvor perfeito saia da boca de ignorantes. Esta mulher, ao contrário de seus acusadores que tinham certeza de tudo e sabiam exatamente como adorar, está afundada em dúvidas. Suas dúvidas nem mesmo tocam a verdade, são na verdade mais confusão do que dúvida. Dali, no entanto, procedia, e procederia, o verdadeiro louvor. Quem há de duvidar daquilo que diz crer? Quem há de questionar a matéria em que é “doutor”? Seria uma vergonha? Quem há de avaliar o caminho que julga levá-lo, e a tantos outros, ao céu? Só não pergunta quem já sabe. Ou pensa que sabe! Tal não seria o meu caso. Tenho por certo, seguirei. Nesta direção. No entanto, reside o benefício da dúvida que ironicamente é o caminho mais seguro para a certeza e a verdade. Quem diria? Outro no seu caso não perguntaria, caso perguntasse não aceitaria a resposta, caso aceitasse a resposta receberia apenas como um assentimento intelectual, e nada mais, caso cresse por um instante que fosse bloquearia a fé porque satisfação maior, doravante, devo aos menores[15]. Mais uma vez é certeira à flecha do que busca adoradores. Na sua ignorância está a verdadeira sabedoria. Deus aprova aqueles que nada sabem, e que sabem não saber. Toma os incultos por doutores e os doutores por loucos. Exalta os humildes e abate os soberbos. Recebe presentes do pobre e desfaz-se do lucro dos ricos.

Não se há de esquecer ainda de uma última virtude de tão inquietante adoradora – sua pressa! (se é que posso dizer que seja a última virtude, porque em mim também reside a duvida e a ignorância – ou seria sabedoria?). Que interesse teria em responder aos que não perguntavam por achar que sabiam? Por que julgava poder ser ouvida por aqueles que a desprezavam?

Por que não se valer da oportunidade para condenar (e agora realmente ao inferno!), aqueles que por anos a prejudicavam. Ainda que a julguemos como indigna nesta residia, também, o mais supremo dos sentimentos – a igualdade! É bem provável que visse seus algozes com indignos e miseráveis como ela. Talvez julgasse, aí sim com um coração de pura misericórdia, que na ignorância e cegueira a perseguissem. Agora era o momento de, não somente ela, mas mesmo os seus opressores, abrirem definitivamente os olhos e verem Aquele que realmente é o único Diferente – o realmente Outro!

Que não se precipite por mais um mero conhecimento aquele que louva. Todos somos iguais. Na nossa igualdade reside a ignorância. O que vejo é apenas aquilo que me foi mostrado, ou o que me foi permitido ver. Desta imagem não sou dono, não sou beneficiário. Sou, e apenas talvez, o primeiro de muitos a ter o direito de enxergar. O louvador não mostra a si, mostra Aquele que ele vê. Clama: Vejam o que eu também vejo? Sintam o que eu também sinto? Se permitam ao que eu também me permito? E só.

Assim, todo que se aproxima, não pela aparência, seja um ex, seja um que se vê fraco a si mesmo.

Quando?

A própria liberdade é das mais terríveis ditaduras[16]. Somos cativos da nossa própria liberdade, isso quando a temos. Temos opções limitadas e limitadoras. Toda minha criatividade em termos do que posso e não posso, caberia em duas páginas apenas em letras grandes e espaçadas. Já não seria o caso quando se trata de urgência – o tempo prometido chegou! Se já não passou. A inalterabilidade do passado, quando muito a pequena suspensão e redução dos efeitos do mesmo no agora, aliada a imprevisibilidade do futuro, faz restar apenas o que podemos chamar de agora, nem mesmo chamar de hoje, isto porque o futuro ainda cabe no hoje, assim como o passado. ¨Domingo, templo, culto e clero – credo!¨[17] Já não era sem tempo que o próprio Deus fosse proibido de atuar em outras instâncias, vai nosso coração cantar só no Domingo, só no templo, só no culto, só guiado pelo clero, pelos pretensos ainda levitas que já não vivem dos dízimos, que tem direito a propriedade, que já não operam os utensílios e tudo o mais, mas este é outro assunto, outra distorção.

Há que se pensar também nas instancias temporais da alma, porque se supõe que o mesmo o seja apenas para os alegres e santos, entre os quais poucos se encontram. Onde estará a vida? Há lugar para os dias de tristeza? Haveria espaço para choro que dure uma noite em louvor? Devemos, a penar do modo atual, que rasgar muitos, não poucos, trechos da Bíblia, por que não, livros inteiros. A tempo e fora de tempo se prega. A tempo e fora de tempo se sofre. A tempo e fora de tempo se louva e adora.

Era alta madrugada[18], o lugar desagradável, a companhia de pessoas pouco aconselháveis, não seria a hora certa. Ah! De certo não seria. Presos pelos braços, que seja também pelos pés, mas presos, louvavam a todo pulmão. O Apostolo ex perseguidor da igreja e seu companheiro, pregadores do amor e da graça no mais sórdido dos lugares. Afinados? Não se diz. Que louvor? Não se sabe. Com que melodia? Menos ainda. O que cantavam? Não sabemos. Uma coisa se sabe: era madrugada. Outra também: hora imprópria. E mais uma: nesta hora mais ninguém o faria. Quem realmente adora, sabe que o louvor ao Criador tem como instância, como lugar, a alma e o coração. Lugar não o é onde nos encontramos, mas nossa própria presença faz o lugar. O altar é o coração. A mesa, o candelabro, os castiçais, incenso, tudo em nós. Somos o lugar, somos o onde e somos o quando. Não que haja em nos alguma nobreza, e de fato não há. Mais uma vez, nossa amiga e companheira de Samaria, nos auxilia na tarefa de entender em que tempo, a que horas, pois em meio a tantas provocações não feitas intencionalmente, provocou mais uma vez o Mestre, tirando dele as seguintes palavras, palavras reveladoras, palavras libertadores: ¨… está próxima a hora em que vocês não adorarão o Pai neste monte…¨. Noutras versões não somente está próxima a hora como já chegou – agora! Já! Sem mais tempo!

Vejamos que até a natureza a seu tempo e fora de seu tempo, também o louva. Daríamos conta de todo som que se faz em todo o tempo e todo o universo criado? Nossa limitação não nos prejudica, pelo contrário, nos ajuda, nos livra. Em todo o tempo, em todo o lugar. Nosso fôlego é limitado, nossa vida um sopro, levamos tempo para falar, tempo para ser capaz de expressar algo, mesmo quando chegamos a dizer algo que faça um mínimo de sentido, aquilo que dizemos vem acompanhado de tantos outros enganos, atropelos, confusões, orgulho, logo, passa o nosso tempo, cessa nosso fôlego, vento, brisa, sopro, cessar. Mesmo pedras, estas que poderão clamar no tempo do nosso silêncio, permanecem, incólumes. Montanhas, em sua oponência, estrondo de vulcões, que adormecem sim, mas não pela preguiça, não pelo temor, não pela falta de tempo, mas o fazer em tempo devido. Mesmos as aves e outros serem de curta duração, se revezam, ora vindo ora indo, um dá continuidade ao outro, o tempo passa, mas não para, o louvor continua, o tempo é preenchido, não há quando, todo momento é momento.

Por nossa vez somos descontínuos, só damos conta do louvor e adoração no tempo da festa e da alegria, esquecemos que em tempo de dor e lágrimas, um quando reverso, um quando maluco, o quando sem tempo, um quando sem vez, negamos ao Criador, o que lhe é merecido. Quando é agora, quando é sempre, quando é sempre quando. Os votos que se faz no altar[19], o que Rute fez a Noemi[20], que se faça ao Criador – em todo o tempo. Quer comais, quer bebais, fazei tudo em nome do Senhor, seja o que for[21]. Dá-se que seja irritante, pelo menos a mim, que julguemos o fazê-lo apenas em momento dado e especifico, que nos leve ao engano até de, ainda em nosso tempo, julgar que o sejam capazes aqueles que para isto lhe dedicam tempo maior, quem sabe, exclusivo. Mais um engano, engano dos enganos. Se trabalhamos, se comemos, se bebemos, se dormimos, se lutamos, se brigamos, se confessamos, tudo é dele, para ele, porque por meio dele e por vontade dele tudo o que foi feito se fez – Ele não dorme, jamais, nem mesmo em seu sétimo dia[22].

Não é assim mesmo o próprio Senhor? Não nos daria seu exemplo maior daquilo que é bom e agradável? No nos mostraria que quando se louva, se da alma e do coração procede, o lugar, ainda que mau lugar, fará dele bom lugar? Foram sete suas palavras no momento crucial e crucificante. Todas palavras de louvor, de adoração, todas palavras glorificantes ao Deus que salva. E nem cantou, mas adorou. Que maiores palavras do que ¨Pai, nas tuas mãos entrego meu espirito¨?[23] Faria caso o próprio Deus do lugar donde as pronunciara? Faria caso o próprio Deus do momento como improprio? Nem um nem outro o fez. Aceitou. Recebeu.

Outrora perseguidor, infame e conivente com indizíveis barbáries, dá-nos exemplo mais uma vez, agora pela oração. Que se façam em todo tempo, ora, em todo tempo é a todo tempo. Por que nos exigiria reverência em todo tempo inatingível, conhecedor que é do nosso coração, aquele que é presente em todo o tempo? Como poderia exigir menos de nós aquele que nos conhece e nos vê em todo tempo? Aquele não está, mas que é? O Grande Eu Sou. Galardoador dos que creem e o buscam! Observador dos corações e Juiz de toda a Terra. Que conhece e julgará os segredos dos corações dos homens[24]. Em todo tempo presente. Em todo tempo vivo e atento. Jamais descansa. Jamais dorme. Jamais erra ou vacila. Da sua natureza se exige: que em todo o tempo de louve e adore. Dor, sofrimento, alegria, conquista, vitória? De certo não são, por hora, nem obstáculos nem motivações, de certo nada são. Nada são diante daquele cujos anjos adoram dia e noite, não se cansando de dizer: Santo! Santo! Santo!

Em todo o tempo, a todo instante.

Onde?

Em sua sabedoria fez-nos limitados pelo tempo e, agora, também nos vemos limitados pelo espaço. E, tanto mais nos aproximamos dele vivemos o paradoxo de sermos cada vez mais livres, seja no tempo seja no espaço, e cada vez menos ocuparmos, menos sabermos, menos termos. O que poucos se perguntam é: por que queremos limitar o lugar de adoração? Queremos que Ele se faça como um de nós, limitado pelo tempo e agora também pelo espaço? Ao contrário de nós não tem dificuldade nenhuma de se localizar, de se congregar, de se encontrar, de se fazer presente. Todo lugar é lugar, mesmo os mais indizíveis. Ai jaz o mistério da igreja, tanto uma fórmula quanto a outra subsistem, e não por causa dele, mas de nós. Na solidão do quarto bom lugar para orar e, também, para adorar e louvar. Não só na solidão do lugar na solidão pessoal, sem ninguém, sem público. Que ninguém se contente com isto, há o lugar, temporal, físico, acessível, numerado. Com todos os riscos que tal atitude encerra, e disto já todos somos doutores, quanto mais unido e mais alto se entoa, mais perto dele no espaço parecemos nos encontrar, já não seria de outra forma, senão o mal uso de todas as atribuições a nós outorgadas por ele, porque do mesmo lábio saem benção e maldição, do mesmo coração vida e morte, da mesma sorte atos de justiça e pecado, não seria diferente do local que ocupamos, Casa de Davi Casa de Oração, Covil de Ladrões, onde o profano e santo se misturam. Onde se oferta a fé e se vendem bugigangas. Assustou-se o Senhor ao entrar pelo Pórtico de Salomão naquela ocasião, qual não seria o seu susto ao adentrar hoje os ditos templos? Este foi mais um caso que não entendemos, já não seria em monte nem em templo, mas em espirito e verdade[25]. Pois bem, façamos caso deste e neguemos aquele. Pelo menos por um tempo ignoremos um erro para ver se incorremos em um acerto. ¨Eis que estou a porta e bato¨[26], com certeza não a porta do templo, mas a porta do coração. Pois bem, nesta esta nos parece pronta a receber tão ilustre visita. Suja? Despreparada? Incapaz? Ocupada com outras coisas? Vazia? De certo que cada resposta encerra em si uma verdade. Há quem diga: ¨entre em minha casa sem reparar na bagunça¨, quando: ¨entre em minha bagunça sem reparar na minha casa¨, pareceria mais apropriado. Como o lugar não é importante? Diríamos para alguns mais relaxados? Como o lugar é mais importante? Diríamos aos mais formais e ritualistas. Mas não há um culto diferente para estes ou para aqueles. Mesmo o lugar traduz o estado do coração de cada um.

Dificilmente cuida de sua aparência quem também não cuide bem de sua alma, ainda que a boa aparência pareça apenas disfarçar as angustias da alma, mas levemos em consideração que este fato se dá muito mais pela incapacidade de cuidar de si mesmo, mas dificilmente pela pouca vontade ou pouco desejo de assim ser ou fazer. Não se negue o fato que é bem provável que o exterior fale muito alto com o propósito de esconder o que vai dentro – sepulcros caiados. E nosso tempo? Ah nosso tempo! Já se desistiu do interior para se cuidar apenas do interior, porque parece maior bem parecer do que ser. A casca mais do que o interior. Do que falo? Que mesmo sendo todo lugar, um lugar que jamais se despreze o santuário, nem o corpo donde procede, corpo do crente, santuário do Espirito e corpo de Cristo, sua igreja reunida. Que mesmo que seja d´Ele toda a Terra e sua plenitude, que não se despreze sua casa ou lugares ditos santos. Devemos estar prontos para o improviso? De certo que sim? Mas muito mais para o que é de ordem, da ordem, na ordem e com ordem. Façamos tudo em todo lugar? De certo que sim. Mas muito mais que se faça na hora e lugar certo também e de modo apropriado. Mais uma vez esqueça-se o que é dito e observado o que de fato é feito: por que nos preocupamos com o lugar? Por que o esforço para tê-los? Jaz ai um mistério do qual arrisco palpitar: escrita nas linhas tortas da vida dos seus, Ele ainda se reserva o direito de exigir que se congreguem em um lugar para ser chamado seu, ainda que os muitos modernismos busquem outro caminho, sempre se veem obrigados à antiga, mas nem por isto inválida forma.

¨A glória da segunda casa será maior do que a primeira¨[27] Uma vez feito, choram alguns, festejam outros. Os últimos porque jamais viram, jamais estiveram jamais puderam estar, e agora poderiam. Os primeiros, seja por tristeza porque não seria tal a glória, talvez por causa das lembranças. Mas o sentimento era forte, forte no lugar, forte ao se ver, forte ao poder estar ali. Como já dito em outro lugar, nosso existência é temporal e localizada. Há lugar de luto. Há lugar de fornicação. Há lugar de idolatria. Há lugar de morte. Porque não haveria lugar de adoração? Por que não haveria lugar de louvor? Por que não haveria lugar de oração? Que nova moda é esta, mais uma vez com fachada de espiritualidade, que despreza o lugar e, a pretexto de fazer todo lugar um lugar, faz de todo lugar, lugar nenhum? Aqui me contradigo? Penso que não. Separo, comparo, especifico e afirmo. No lugar chamado meu, ali me esbaldo, dito minhas regras e estabeleço meus limites. Já não é o caso na casa de outro dono. Todos os lugares a Ele pertencem, mas nem todos estão a Ele consagrados, nem todos O glorificam, nem todos o têm como ilustre presente, morador, dono. Não é este o fato que lhe desagrada, que nem todos os lugares os glorifiquem ainda que todos Lhe pertençam? Não nos foi colocada esta tarefa de conquista, como que lhe devolvendo o que é de direito como Deus? Ou é em vão que se alegram com quando casas inteiras a Ele se rendem e, ainda em vão, que recorremos ao credo: ¨Crê no Senhor Jesus Cristo e será salvo tu e tua casa¨? E façamos o uso livre de casa, sem medo de parecer distorcer. Casa como família, família que ocupa uma casa, casa que lhe pertence com lugar assim como todos que a ela pertencem. Lugar e pessoas. É em vão que nos desfazemos de coisas quando lhe rendemos nossa vida? É em vão que cuidamos de nossas palavras e bens rendendo-Lhe o uso já que o pertence? Fazem todos assim e todo lugar e todo tempo? Não. Portanto, há diferença, lugar que a Ele foi entregue e lugar que não. De ambos se busca e se adora, mas de certo que não em todo o tempo.

Usemos o erro e a má interpretação pelo bem da boa fé e consciência. Na loucura destes pensadores modernos que precisam engraçar a graça e adereçar a Palavra porque a verdade simples e direta não lhes sacia, territorializou-se o planeta o sujeitando a demônios específicos com suas qualificações específicas. Deus nos guarde! Que horror! Que temor! Pois bem, que não se aceite a tese nem a doutrina, intoleráveis, mas não nos furtemos a conjecturar sobre absurdos, ainda que se incorra em idiossincrasias. Ainda que os mesmo não estejam lá por direito de posse ou como organização bem fundamentada, lá estão. Da nossa parte: que se tome de volta! E como? Levando ali a glorificar a Deus. Cinemas, bares, áreas de dança, violência! Mesmo estádios, clubes que por vezes são em algum momento usados para Ele. Ah que fossem sempre! Que toda Terra fosse um grande templo e lugar de adoração!

Sim, no templo e fora dele. Nos lugares mais improváveis, todo lugar pertence a Ele e que assim o adorem.

Por quê?

Buscamos razão do que somos e fazemos, decididos a não explicar aquilo que nos envolve, absorvidos irracionalmente. Paixão não se explica se sente e se vive. Se expressa! Explicação existe em peito frio que acondiciona coração gelado. Quem é realmente de todo racional se até a dureza e a muita explicação são produtos de medo, ou seja, da emoção? Muita razão, se é possível ser tão assim mesmo, há de corromper a intenção! Mas só há de deixar a razão, fria e gélida para estes assuntos da alma e do coração quando se começa por ela. Talvez seja crime terminar por ela. Quem se atreve a responder o porquê?  Mais uma vez mostro minha insanidade, como a de muitos, e começo respondendo o que não sei, não posso e não deveria. E ainda fazendo caso da insanidade, porque há de me corrigir quem saiba que paixão vem de pathos, nada mais que doença. Mas haveria doença que seja cura? Haveria doença da qual não se queira curar? De certo que sim. Doentes todos somos, doenças todos temos, ou haveremos de ter, de ser. E a doença aqui, seja dito em verdade, jaz na pergunta e muito mais na resposta: Por que? Porque.

Hoje o fazemos voluntariamente, por vezes até irrefletidamente. No futuro, espero próximo, compulsoriamente[28]. Compulsoriamente para aqueles e espero que não para estes. Seria o porquê de agora o saber o porque de amanhã? Temos sempre que ter razão, não somos assim tão puros.

Foram dez os que curados saíram, mas um voltou para adorar e glorificar[29]. Todos o aguardavam e bem sabiam o que dele poderiam receber. Quem sabe em sua sanidade já preparassem para agradecer, porque assim se faz mesmo daquilo que julgamos obrigação alheia. Se era obrigação. Ele fora na direção deles? Eles se dirigiram na direção dele? Difícil saber quando de um lado temos aquele que tudo sabe, cujos movimentos, ainda que pareçam os mais improváveis como fruto do acaso, são medidos, pensados, previstos, antecipados, vividos em sua plenitude já desde a eternidade. E mais uma vez: que ironia! Que piada! Que provocação! Era samaritano. Talvez fosse este o caso: nada lhe era devido, portanto… Mas mesmo este parece ter passado por um instante de gratidão porque foi, mas logo voltou. Talvez alguém diga: fora ao sacerdote. Um samaritano? Não, de certo, levado pela pressa e ingratidão dos outros. Se bem que relevemos. Quanto tempo de privação? Que saudade de suas famílias? Que saudade da comida! Do livre circular pela cidade? Prestemos um pouco mais de atenção na fé de todos, porque foram ao encontro do sacerdote, mesmo antes de curados, e ao caminhar foram curados, um a um. Talvez nem esta fé tivéssemos, mais uma vez não acusemos outros sem razão. Mas façamos caso daquilo que o Senhor faz caso: apenas um estrangeiro voltou. Voltou para agradecer, para louvar. Muitos com motivos para ir e viver suas vidas, outro muito mais para voltar e agradecer.

E o que dizer da mulher com seu vaso de perfume caro[30], na casa de um justo segundo este mundo? Ambos não eram leprosos, mas como não comparar a maior miséria humana, o pecado, com aquilo que mais envergonhava na época? Haveria algo pior? De certo que sim, a ingratidão, a falta da observação dos motivos que todos temos, a resposta ao por que. A gratidão e o reconhecimento eram tantos que não fez caso do dinheiro. Não fez caso da vergonha. Não fez caso da casa onde estava. Não fez caso do que pensariam. Não fez caso da possibilidade de ser rejeitada, preterida. Caso o fosse, sem hesitar teria palavras de sobra para justificar o que fazia. Constrangeria qualquer um que ousasse tal coisa. De sorte, naquela hora não apontaram para ela suas armas, porque seriam feridos da mesma forma. Apontaram para o Senhor, que sem suas palavras sabia bem o que ela também sabia muito bem. Não era à toa tal operação. Saiu de casa preparada. Sabia porque estava ali. Premeditara.

E por quê? Porque Ele cura, porque perdoa pecados, porque acolhe quem se achega, porque defende os seus, porque tira temores e traz esperança. Faz o que é fácil e muito mais o que é difícil, e até impossível. Porque pôs em nós a gratidão e o poder realizar. Motivos? Temos muitos.

Jamais se pediu que achegássemos vazios, ainda que vazios possamos chegar, mas de certo sempre com motivos. Pensados e refletidos, premeditados. Culto é vazio não porque se está vazio, mas porque se vai vazio, se chega vazio e por certo se vai vazio. Alguns preparam de antemão apenas seus envelopes, mas não o coração e a mente. Outra vez que se diga, e parafraseio com ousadia, faça-se estas coisas não se esquecendo aquelas. Trocadilho dos mais pobres, mas a ideia não. Já se alegram os justos ao pensar: Vamos à Casa do Senhor! Não apenas pelos adornos, adornos necessários, diga-se de passagem, mas muito mais pelo que se leva para lá, do que talvez se traga de volta. Porque, façamos justiça, sempre recebemos primeiro, e sempre será assim.

Quem não tem bons motivos para louvar e agradecer?

O que?

Haveria algo de tudo que existe que se pudesse rejeitar ao criador? Se até mesmo os anjos caídos, e para seu grande líder, usa como servo seu quando lhe praz e convém? De certo que não. Se noutro tempo negávamos a ele aquilo que a nós nos parecia impuro, o que dizer agora daquele que a tudo santifica, mesmo que nos seja o mais nojento[31]. Foi sobre a pedra edificada, pedra sobre a qual se assariam as carnes mais impuras, trazidas do céu por um lençol, foi que a pureza do impuro, e não a impureza do puro, que começou. Não é o caso de fazer do pecado um ato de amor e de graça, mas de como lidar com aquilo que ganha caráter pelo uso que se lhe dá. Doutra sorte tenhamos cuidado, passado está o tempo mais luz recebemos sobre nossas almas em trevas de modo que até nosso entendimento passa a ser mais exigido e menos tolerado. Já não se persegue mais os inimigos desejando vê-los mortos. Atravessá-los a espada? Inimaginável e inaceitável. Há que se amar a abençoar os que nos maltratam como fez o Mestre aos que O mataram. Poesia é poesia. O Criador é poeta. O porquê não poetizar aquilo que somente a razão não o possa fazer? As palavras precisam se adornar e ser adornadas pelos que as pronunciam porque de coisas especiais tratam. Não só pelas palavras, mas por aquilo que faz por meio de sua Palavra, sendo o único que possa agir assim. Fez terra e céu, mar e tudo mar de modo que todos se põem a louvá-lo, e veja só: sem palavras. Então, se falamos uma ou outra língua, ou mesmo nenhuma, doutos ou indoutos, não disto Ele fará caso. Por isso, qualquer coisa seria alguma coisa? O que oferecemos seria aceito qual fosse esta oferta? Não nos enganemos mais uma vez. Já se ouviu da ignorância dos doutores e da sabedoria das crianças de colo. Já se disse do valor do que sai do homem, muito mais importante do que o que entra. Já se viu como procedem as intenções a despeitos das ações, que a princípio podem ser enganosas e mascaram o mal com o bem. Nem mesmo nas palavras se pode encontrar alívio para esta questão. Ou ainda já quem diga que é santo o hebraico por ser a língua original dos escritos, ou ainda o aramaico e o grego? De sorte nenhuma delas.

Em Babel a torre que unificaria virou confusão. Não o adorou. Não o louvou. Em Pentecostes a confusão virou unidade[32]. De muitos povos e de muitas línguas uma só era a fala. Fogo estranho de Nadabe e Abiú rejeitado, não assim a oferta da viúva, nem o louvor dos gentios. Ainda se luta, ainda se debate. O que daremos a Ele – a mesma dúvida do salmista[33].

Caim e Abel, nossa primeira e grande referencia que o exemplifiquem. Dos da terra? Dos animais do campo? Nenhum nem outro, mas com o coração. Do que melhor se tem.  Deram uns dos que lhes sobrava e não obtiveram nenhum louvor. Deu aquela que menos possuía, o que pouco era também, mas não ficou sem a atenção de Seus olhos. Já vão ficando poucas nossas palavras e repetitivas nossas tentativas e argumentos. Pouco importa ao Senhor o que receber porque de nada se lhe acrescentará como riqueza e favor. Mesmo assim, insiste em que um coração lhe seja entregue, que como oferta seja dada juntamente com aquilo que os olhos vêm, o coração que só ele vê.

O que existe que não lhe pertença? O que existe que desconheça? O que não é seu próprio feito pelo seu poder em seu louvor? A mordomia aqui é sempre a melhor solução.

Mordomo não é dono, quando muito administrador. Reconhece que nada tem e nada sabe. O que tem em mãos sabe que recebeu, e teme não dar conta, esmera-se, esforça-se, não descansa e não relaxa. Faz com peso sim. Simples assim? Nada é simples assim, tudo tem seu peso e seu preço. Que irresponsabilidade se prega por ai! Com temor e tremor tudo seja feitos. Nus viemos, nus partiremos, ainda que vestidos, em pouco tempo para o será para cobrir exatamente o que? O digam Jeremias e Paulo? Um profeta de lá e outro de cá. Como um coro perguntam e respondem: ¨Maldito quem fizer a obra do Senhor relaxadamente¨[34], e outra vez: ¨[35]

Que se cuide de como lhe entregamos o que quer que seja, mesmo que tudo lhe pertença.

Para que?[36]

Nisto também vemos toda a arrogância da que todos somos capazes em nosso ímpeto de humildade. Pudéramos fazer por nosso próprio poder aquilo que o Espírito com muito esforço faz! E não que seja Ele fraco, mas que mais duro ainda é o coração dos homens.  Já disse um velho padre sábio, a quem devo as letras deste texto: mais terríveis são os homens ao Demônio! Este último sucumbe a uma só palavra, e até mesmo antes dela: ¨Manda que nos precipitemos no abismo¨. Palavras ditas sem melodia, sem graça, sem amor, mas com poder. Aos homens espera-se sucumbir pelos instrumentos, pela melodia, pela boa letra, pelo bom cantar. Que engano! Enganos dos enganos! Pode se esperar que durmam, que se percam nos detalhes, ou, ainda pior, permitem que a Glória dele seja roubada e dada a qualquer um, que mesmo sendo o mais puros dos homens, é apenas mais um. Quando se vê algo que seja muito perfeito, logo pequenos detalhes tornam-se grandes os suficientes para desmerecer toda e obra. E por quê? Senão pela inveja e ciúme, por que mais? Mais uma vez, que se encontrem as razões fora do homem e não no homem.

Quisera que todos soubessem pelo menos pronunciar a transcendência, mesmo que dela não fizessem tanta conta, mas que voltados para ela encontrasse o motivo para qual seria bom que apontássemos e encontrássemos razão em tudo aquilo que fazemos. Não para nós nem para eles, mas para Ele.  Mas, mais uma vez nos perdemos ao trilhar linhas improváveis para chegar a um fim que também não entendemos. Necessitaria Ele do nosso louvor? Necessitaria Ele das nossas melodias? Necessitaria Ele dos nossos versos? Já é sabido que mesmo calados somos reprováveis. E, ainda mais quando calados, porque neste momento as manifestações da alma e do coração ficam soltas e livres, a força toda se volta para alimentá-las, nosso silencio fala alto ao coração Dele. Já duvido se é melhor calar ou encher o ar de sons, mesmo que indistintos, mesmo sem para quê. Outrora perdidos, agora duplamente perdidos, falando ou calados. Se há um fim, se há ¨para quê¨, que mais uma vez se encontre fora de nós para que em nós faça algum sentido, já que mesmo que seja segundo o seu coração, ainda sim é falho, parcial e pobre.

Conclusão

Desafiador é pensar sobre o ministério mais procurado na igreja hoje, e penso que não deveria. Ele traz todo o estrelismo que alguns procuram e todas as armadilhas que seja capaz de criar e que muitos caem para não mais sair. Muitos caem na aparência, na arrogância, até mesmo em um virtuosismo que encanta alguns enquanto assombra e recebe rejeição daquele a quem se deveria voltar.

Já é tão grande meu temor que já nem penso se vale a pena tamanho risco.

Pastor Junior Martins

Fevereiro de 2014

[1] O texto surge da necessidade de rever o papel dos ministros de louvor da igreja no nosso contexto. Entendo o ministério do culto como forma de exercício dos dons e como manifestação de talentos natos e adquiridos. Tudo o que temos e somos pertence e há de louvar a Deus.

[2] Afinal, até mesmo a santidade humana é mácula e orgulho. Vaidade de vaidades!

[3] Salmo 115:1 – “Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao teu nome dá glória, por causa do teu amor e da tua fidelidade”.

[4] Bastaria, mesmo sendo uma proposta absurda, multiplicar por dois o número de homens de Israel para saber entre quantas mãos Deus escolheu apenas duas. Olhando do futuro nos parece fácil entender: mãos de guerra e de sangue, mãos de amor. Mãos que não se levantariam contra os “Ungidos de Deus”.

[5] Ageu 2: 7 – “Abalarei todas as nações, e o desejado de todas as nações virá, e encherei esta casa de glória, diz o Senhor dos Exércitos”.

[6] Os cânticos dos degraus recebiam este nome porque eram cantados durante a subida das escadas para Jerusalém quando o povo ia ao templo adorar. É, Jerusalém, claramente a representante terrena do Céu.

[7] Gálatas 4: 26; Hebreus 12:22.

[8] Leia I Samuel 18:10 e 19: 9 e veja o contraste que a Escritura faz a este respeito.

[9]  Gênesis 4: 21 31: 27; II Samuel 6:5, I Reis 10: 12 I Crônicas 13: 8; 15: 16 21,28; 16: 5; 25: 1, 3, 6, II Crônicas 5:12; 9: 11 20: 28; 29: 25.

[10] Provérbio 13: 4.

[11] Referência aos três primeiros Capítulos de Gênesis, um retrato poético da verdade.

[12] Apenas como curiosidade, a água de coco pode alimentar uma pessoa sem a companhia de qualquer outro alimento por mais de quarenta dias, dadas as suas riquezas.

[13] Veja João 4: 5 6.

[14] A mulher mal vista tinham um horário especial para ir a fonte.

[15] Certa vez alguém quase foi convencido da verdade, mas recuou – Atos 26-28.

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