AINDA SOMOS CATÓLICOS?

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Estamos cerca de quatro anos de comemorar os 500 anos da Reforma Protestante. Pelo menos entre as igrejas Reformadas, ou pelo menos ditas assim, já começam os preparativos para data tão especial. Os questionamentos, por sua vez, surgem também. É óbvio que o lado da trincheira na qual nos encontramos dita nossas teses e convicções. O que ouvimos no passado, por quem fomos informados a respeito dos fatos e, obviamente, a nossa vivência, determinam de maneira contundente nossas opiniões. Nós temos, além de tudo, a nossa percepção particularizada do presente, ou seja, como encaramos aquilo que começou no passado e repercutiu e, talvez ainda repercuta, nos dias de hoje.

Creio que nossa base ou principal alicerce sejam as 95 teses de Lutero. Comecemos por elas. Em linhas gerais elas discutem a cobrança das indulgências, a corrupção da igreja por amor ou apego ao dinheiro e a usurpação do que é do povo por direito e de graça pela Graça de Deus.  Não consigo ler as teses de Lutero sem encontrar alguma ironia nas suas palavras. Palavras provocadoras. Veja por exemplo as teses 51: ¨Deve-se ensinar aos cristãos que o papa, por um dever seu, preferiria distribuir o seu dinheiro aos que em geral são despojados do dinheiro pelos apregoadores de indulgência, vendendo, se necessário, a própria basílica de São Pedro.¨ Agora a tese 82: ¨¨Haja vista exemplo como este: Por que o papa não livra duma só vez todas as almas do purgatório, movido pela santíssima caridade e considerando a mais premente necessidade das mesmas, havendo santa razão para tanto, quando, em troca de vil dinheiro para a construção a basílica de São Pedro, livra inúmeras delas, logo por motivo bastante infundado?¨. E, finalmente, a tese 84: ¨Que nova santidade de Deus e do papa é esta a consentir a um ímpio e inimigo resgate uma alma piedosa e agradável a Deus por amor ao dinheiro e não livrar esta mesma alma piedosa e amada por Deus do seu tormento por amor espontâneo e sem paga? ¨. São ou não irônicas? Creio que sim, mas nem por isto, tais provocações sejam sem sentido. Ou seja, deve a igreja acolher os que lhes são confiados por Deus sem cobrar nada e, sempre que possível, fazer uso de seus recursos para este fim. Já não se vendem indulgencias, aliás, neste requisito andamos muito para trás, já que naquele tempo pelo menos a questão de ser perdoado de seus pecados ainda era algo a que se devia apegar, hoje nem tanto – queremos bênçãos, vitórias! Curioso é que bênçãos neste sentido se achem a venda, ou seja, aquilo que só Deus pode dar, sendo ele completamente auto suficientes espere que seus fiéis paguem por aquilo que não se pode comprar. Religião mal vivida é piada de mau gosto.

Se por um lado não deixamos coisas que deveríamos ter deixado, por outro lado, abandonamos outras que não poderíamos ter abandonado. Desde o Credo Apostólico, que do lado de lá é visto como oração ou reza: ¨Creio em Deus Pai, Todo Poderoso, Criador dos Céus e da Terra, e em Jesus Cristo, seu Único Filho e nosso Senhor, o que foi concebido por obra do Espirito Santo, nasceu da Virgem Maria, padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu ao Hades, ressurgiu dos mortos ao terceiro dia, subiu ao Céu, está assentado a direita de Deus Pai Todo Poderoso, donde há de vir para julgar os vivos e os mortos. Creio no Espirito Santo, na Santa Igreja Universal, na comunhão dos Santos, na remissão dos pecados, na Vida Eterna. Amém. ¨ Isto chega aos alicerces da Igreja Verdadeira: Santa, Una, Apostólica e Católica. Abandonamos o uso de expressões como Sacramentos, ainda que de fato nunca o tenham sido, mas o desuso trouxe o desrespeito porquê de fato, a visão de ato santo como a Ceia e o Batismo, quase são jogados no lixo.  Abandonamos a reverencia ao Lugar Santo, em virtude de uma fé libertadora vamos jogando vários símbolos importantes no desprezo. Acho interessante que pessoas cristãs evangélicas não consigam perceber todos o misticismo, não naquele sentido de mistério ou algo super humano, mas no sentido de transcendente, interpretação bem possível, que nos cerca. Somos a religião dos símbolos: peixe, pão, vinho, templo, deserto, montanha, cruz, espada, caminho, ovelhas, e mais uma infinidade de elementos que são trazidos para nosso dia a dia para nos ensinar a fé. Cristo é a realidade, mas a entendemos a partir dos símbolos da fé.

A busca pela quebra de paradigmas, já tão celebrada, além de infrutífera, por diversos motivos, invariavelmente, redundará em novos paradigmas. O Pastor Ed Rene Kivitz, em seu livro ¨Quebrando paradigmas¨, estabelece quais sejam: Templo, Domingo, Clero e Culto. Claro que ele dá alternativa para cada um destes dilemas ou ¨prisões¨, na tentativa de nos desprender dos mesmos para uma fé mais elevada, mas muito duvido de toda esta libertação sem alguma culpa ou prejuízo. Me lembro de ter acompanhado uma ¨seita não-batista¨, porque no sentido literal do termo somos seita também, que se desligou de seu umbigo religioso. Os acompanhei por alguns anos porque pediram minha ajuda. Admirava-me da sua capacidade de não se prender a um lugar físico para cultuar, sempre mudando. Compartilhando isto com um pastor amigo meu ele disse: ¨em algum momento eles se fixarão em algum lugar¨. Dito e feito. O Sábado já é dia útil, ou não? O Domingo em breve, mas ainda escapa. Só nos resta este dia. Faço o esforço para servir e congregar durante a semana, mas faço parte de um grupo pequeno e privilegiado. A gente ainda precisa de uma pessoa ou grupo que nos ajude e que nos guie. Acho a Democracia um ideal muito bonito, mas nem sei como pode funcionar. Como ouvir todo mundo? Sempre prevalecerá a vontade de uma maioria ou minoria com mais poder. O Culto coletivo jamais perderá seu espaço nem mesmo a sua centralidade na vida cristã. Mas, não está totalmente sem razão. E aí somos bem católicos se ficamos somente com o templo, somente com o clero, somente com o culto, somente com o Domingo.

Muito já se escreveu sobre a Mercantilização da Fé. Há livros e teses aos montes a respeito. A aposta de Karl Marx de que a evolução da humanidade daria no fim da religião é frustrante até para quem é religioso, porque não só não aconteceu, como deu vazão a comportamentos redundantes, repetitivos e que pioram a cada momento. As pessoas se vendem, se entregam, se perdem na religião e na igreja. A liberdade não é fruto da entrega à religião, mas produto da expansão da consciência e do conhecimento.

Há muito tempo ouço nas igrejas, nas cadeiras das salas de Teologia, da necessidade de um Evangelho Brasileiro, de uma Igreja Evangélica Brasileira. Ainda sofremos com as ingerências da Teologia e da Práxis Americana. Mas não é só este o nosso defeito, somos absurdamente sincréticos: temos muito do catolicismo, das religiões africanas que estão na nossa gênese e até das seitas orientais: nosso Deus ainda é movido por nossas obras, vida e orações, Ele atua em resposta aos nossos sacrifícios, tememos as autoridades impostas não por sua tarefa de punir os incautos, mas para não atiçar os deuses ou Deus, somos indulgentes. Um dos desafios que procurei vencer na primeira comunidade que pastoreei foi o de desmistificar a transubstanciação como interpretação legitima da Ceia, a solução foi aumentar consideravelmente o tamanho do pão para que as pessoas fossem obrigadas a mastigar – houve quem reclamasse! O livro de capa preta, que já ganhou outras cores e formas, ainda assusta muita gente, ao ponto de seu usado como um livro de simpatias, usado como instrumento de sorte. Ainda estamos longe de ler e usar este livro no dia a dia como um manual diário, como a carta de um Pai para seus filhos.

Acredito que as palavras do Apóstolo Paulo, falando a famílias, são um bom paradigma para nós, I Coríntios 7: 29,31 – ¨Isto, porém, vos digo, irmãos, que o tempo se abrevia, o eu resta é que também os que tem mulheres sejam como se não tivessem, e os que choram como se não chorassem, e os que folgam, como se não folgassem, e os que compram, com se não possuíssem, e os que usam deste mundo, como se dele não abusassem, porque a aparência deste mundo passa.¨ Entendo que nossa espiritualidade vai do ponto onde entendemos a necessidade de estarmos abertos as peculiaridades deste mundo, mas buscando sempre a transição do que é menor para o maior, do que é terreno para celestial. Boa parte dos evangélicos ainda está nos laços aprisionadores das transitoriedades religiosas. Ainda se apegam aos pormenores em detrimento de sua própria liberdade, e ainda tem na consciência livre um temor, porque pode gerar um sentimento de desprendimento e soltura com o qual poucos têm condição de lidar.

Sim, ainda somos católicos, por medo de sermos evangélicos.

Pastor Junior Martins

Novembro de 2013

 
 
 
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