John Smyth, ex-pastor anglicano e teólogo formado em Cambridge, se destacou no início do movimento batista devido à sua trajetória de dissidência religiosa. Entre 1600 e 1603, Smyth atuou na Igreja Anglicana, mas logo passou a se alinhar com os puritanos e, em 1606, abraçou o separatismo, recusando a autoridade eclesiástica do anglicanismo oficial. Nessa nova fase, ele contou com a colaboração do advogado Tomás Helwys, que se tornaria seu principal aliado na formação de uma igreja separatista independente. Devido à severa perseguição religiosa desencadeada por Tiago I, que buscava unificar a prática religiosa sob a Igreja Anglicana, Smyth e sua congregação tomaram a difícil decisão de migrar para a Holanda, onde podiam adorar “de acordo com suas próprias premissas. Foi Helwys quem, com recursos próprios, viabilizou essa emigração entre 1607 e 1608, ajudando a congregação a chegar até Amsterdã.
Já em solo holandês, Smyth, estudioso das línguas bíblicas, aprofundou-se na teologia do batismo, questionando o batismo infantil como prática não bíblica e chegando à conclusão de que o batismo administrado a ele e à sua congregação nas igrejas paroquiais inglesas não tinha validade teológica. Como escreve Walter B. Shurden, “Smyth foi o primeiro a defender que o batismo deveria ser aplicado apenas a adultos crentes, marcando a exclusão da prática infantil como uma das bases do movimento batista” (Shurden, The Baptist Identity, 1993). Convencido disso, Smyth propôs uma nova organização para a igreja, dissolvendo a comunidade anterior e iniciando uma nova igreja em 1609, batizando-se a si próprio (um ato conhecido como “sebatismo”) e, em seguida, batizando Helwys e os demais membros da congregação.
Apesar da semelhança de algumas crenças com os menonitas de Amsterdã — que também praticavam o batismo de adultos —, Smyth e Helwys mantinham divergências, particularmente quanto à cristologia docética dos menonitas e sua visão de sucessão apostólica. Essa distinção era, para Helwys, fundamental para preservar uma consciência eclesiástica autônoma. Para Helwys, a autoridade da igreja residia na congregação e não em uma linhagem histórica.
Entretanto, Smyth enfrentou oposição significativa devido ao seu “sebatismo” (autobatismo), o qual, segundo alguns, parecia autoproclamado e sem a autoridade tradicional. Com o tempo, ele reavaliou sua decisão e procurou filiação com a comunidade menonita, embora Helwys e um pequeno grupo tenham optado por permanecer como batistas independentes. Isso deu origem a uma séria controvérsia entre os dois líderes, com Helwys acusando Smyth de “blasfêmia contra o Espírito Santo” por duvidar de sua direção inicial. No entanto, Helwys manteve sua pequena congregação fiel aos princípios separatistas, afirmando que Deus trabalha por meio dos “pequenos começos”, como expressa Zacarias 4:10: “Quem despreza o dia das coisas pequenas?” Esse pequeno grupo, que inicialmente contava com apenas uma dúzia de membros, viria a ser o berço de uma denominação que, séculos depois, somaria milhões de adeptos ao redor do mundo.
A ênfase batista na liberdade religiosa se consolidou através dos escritos de Smyth e Helwys, especialmente a partir de 1612. Smyth defendeu, em suas confissões de fé, a plena liberdade de consciência, declarando que se devia permitir que cada cristão siga sua fé conforme sua própria consciência. Da mesma forma, Helwys reforçou a ideia de que a liberdade religiosa deveria se estender a todos, incluindo católicos e ateus, afirmando que o Estado não deveria interferir na fé de seus cidadãos. Em seu livro Breve Declaração do Mistério da Iniquidade, também publicado em 1612, Helwys escreveu ao rei Tiago I, afirmando corajosamente que “o rei é um homem mortal, e não Deus, pelo que não tem poder sobre as almas imortais de seus súditos, para fazer leis e ordenanças para elas e para impor senhores espirituais sobre elas”. Essa posição ousada custou-lhe a liberdade, resultando em sua prisão e subsequente morte em 1616.
Assim, Helwys estabeleceu o primeiro núcleo batista em solo inglês, ao retornar para a Inglaterra e se estabelecer em Spitalfields, Londres. Os batistas emergentes não apenas compartilhavam crenças distintas, como também incorporavam influências de diversas tradições. Herdaram, por exemplo, dos puritanos a ênfase na santidade pessoal e dos separatistas a estrutura congregacional autônoma. Dos menonitas, que preservaram a tradição anabatista, adotaram o arminianismo, defendendo a expiação universal em contraste com o calvinismo prevalente, e passaram a ser conhecidos como Batistas Gerais ou Arminianos.
Este grupo singular, convencido de que era conduzido pela providência divina, destacou-se por sua resistência à coerção religiosa, pregando que o batismo deveria ser reservado apenas aos que professassem fé pessoal, conforme a passagem de Atos 8:37: “É lícito, se crês de todo o coração” (cf. Steven R. Harmon, Towards Baptist Catholicity, 2006). A partir desses fundamentos, a tradição batista estabeleceu-se como uma expressão cristã baseada em princípios de liberdade e responsabilidade individual diante de Deus.