SOMENTE CRISTO – SEGUIR OU NÃO A LEI?

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(Não é uma resenha)
SEGUIR OU NÃO A LEI?
Quem tem o Espirito Santo reconhece facilmente que a Lei é boa!
Esta é uma das questões que atormentam a igreja cristã há séculos. Parece ter ganhando maior ênfase depois da Reforma Protestante, depois da ¨conversão¨ de Lutero e do (re) descobrimento da justificação pela fé. Este (re) descobrimento da salvação pela graça e o grande conflito com as indulgências e o pacto das obras (salvação pelas obras) recrudesceu o debate e lançou muita fumaça sobre o assunto.
O que compartilhamos aqui é um breve insight quanto ao (aparente) conflito entre a Lei e a Graça após a leitura do livro Somente Cristo – legalismo, antinomianismo[1]e a certeza do Evangelho, de Sinclair B. Fergunson (2019), publicado Editora Vida Nova.
O legalismo, que trata da prevalência da lei sobre o comportamento, e consequentemente da sua relação direta com a Graça de Deus (seus favores, bençãos e salvação) parece contrastar com o antinomismo, ou seja, a ideia (doutrina) que afirma que não precisamos mais da Lei sob nenhum aspecto porque podemos (devemos) viver livremente. Apesar de o legalismo apontar para um excesso de zelo com padrões, regras e convenções, muitas vezes humanas, e o antinomismo aparentemente descambar em licenciosidade e libertinagem, podemos compreender que ambos são faces distintas da mesma moeda: a falta de conhecimento de Deus, seja como um Pai Gracioso seja como Juiz Imparcial e Santo.
A questão que mais no toca, no entanto, diz respeito à lembrança e aplicação de dois textos: uma profecia do AT e uma conversa de Jesus com seus discípulos no NT.
Em Ezequiel 36.26-28 (ver também Jeremias 31.33 e Hebreus 8.10), lemos o seguinte:
E dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei da vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne. E porei dentro de vós o meu Espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, e guardeis os meus juízos, e os observeis. E habitareis na terra que eu dei a vossos pais e vós sereis o meu povo, e eu serei o vosso Deus.
Ninguém negaria que esta promessa (profecia) diz respeito ao período que o Messias, Jesus, nos daria sua palavra por meio de seu Espírito e que este período corresponde ao período que vivemos. No entanto, notemos bem: sua lei guardada no coração, por meio do seu Espírito, gravada, marcada, presente e atuante.
A segunda referência, do NT, diz respeito a conversa de Jesus com seus discípulos quanto aos fariseus, grupo reconhecidamente legalista, fortemente moralista e, consequentemente, hipócrita, já que alguns padrões são inatingíveis, mas eram exigidos pelos mesmos. Veja o que Jesus diz em Mateus 5.18-20:
Digo-lhes a verdade: Enquanto existirem céus e terra, de forma alguma desaparecerá da Lei a menor letra ou o menor traço, até que tudo se cumpra. Todo aquele que desobedecer a um desses mandamentos, ainda que dos menores, e ensinar os outros a fazerem o mesmo, será chamado menor no Reino dos céus; mas todo aquele que praticar e ensinar estes mandamentos será chamado grande no Reino dos céus. Pois eu lhes digo que se a justiça de vocês não for muito superior à dos fariseus e mestres da lei, de modo nenhum entrarão no Reino dos céus.
É o contexto do Sermão da Montanha. Há um complicador exegético no texto, mas que podemos resolver facilmente. Quando Jesus se refere aos mandamentos que devem ser minuciosamente seguidos, ele está fazendo referência aos mandamentos da Lei de Moisés ou ao (novos) mandamentos descritos no próprio Sermão da Montanha e que seguem até o final do capítulo 7 (e que podem apresentar uma pequena, mas significativa variável)? Acredito que a resposta seja: a duas coisas.
Veja, por exemplo, a primeira referência de Jesus ao mandamento de não matarás (Mt 5.21-22). Ele usa o mandamento (Ex 20.13 e Dt 5.17) e amplia sua aplicação e a aprofunda: ¨Mas eu lhes digo que qualquer que se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento. Também, qualquer que disser a seu irmão: ‘Racá’, será levado ao tribunal. E qualquer que disser: ‘Louco! ’, corre o risco de ir para o fogo do inferno¨. Assim ele segue aprofundando e aplicando de forma mais intensa os demais mandamentos, ou seja, é esperado de seus discípulos que superem a Lei, mas que não sejam meros legalistas como eram os fariseus e escribas. Basta ver as acusações de Jesus em Mateus 23.
Geralmente, quem defende a ideia de que a Lei foi superada, costuma aplicar e fazer referência a textos como Romanos 6.14: ¨Porque o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça¨. Esquecem, no entanto, que o contexto da passagem iniciada em Romanos 5 e concluída em Romanos 8 e que a vitória sobre o pecado, não vem pelo simples cumprimento da Lei, mas pela presença da Graça em nós, pelo Espírito presente e vivente em nós, como diz em Romanos 8.1-4:
Portanto, agora já não há condenação para os que estão em Cristo Jesus, porque por meio de Cristo Jesus a lei do Espírito de vida me libertou da lei do pecado e da morte. Porque, aquilo que a lei fora incapaz de fazer por estar enfraquecida pela carne, Deus o fez, enviando seu próprio Filho, à semelhança do homem pecador, como oferta pelo pecado. E assim condenou o pecado na carne, a fim de que as justas exigências da lei fossem plenamente satisfeitas em nós, que não vivemos segundo a carne, mas segundo o Espírito.
Digno de nota, e muito importante para o que tratamos aqui, é o trecho que diz: ¨a fim de que as justas exigências da lei fossem plenamente satisfeitas em nós, que não vivemos segundo a carne, mas segundo o Espírito¨. Ou seja, é necessário, mesmo em nós que temos o Espírito, que as exigências da Lei estejam plenas em nós que, incapazes de cumprir a Lei, somos justificados por Deus, nascemos novamente, recebemos o Espírito Santo e podemos, inclusive, ¨exceder ¨ a fariseus e escribas em sua justiça oriunda de interpretações humanas, desprovidas do Espírito, sem a Graça e sem a presença do próprio Cristo em nós, ou seja, legalismo.
Enquanto podemos afirmar que o legalista é aquele que foca na Lei desprovido da Graça, podemos afirmar que os antinomistas são aqueles que focam apenas na Graça ignorando por completo a Lei. Ambos estão fadados a enganos. Os primeiros à hipocrisia e distanciamento de Deus, ou seja, uma religião fria, distante e vazia de frutos; os antinomistas produzem uma forma de fé que é uma nuvem sem água, uma alegria e liberdade sem fundamentos, uma vida desregrada.
No entanto, o problema da tensão entre a Lei e a Graça persiste, mas já compreendemos que ambas coexistem e devem ser compreendidas.
Aquele que é legalista acredita que pode cumprir a Lei abrindo mão da Graça de Deus. O antinomista é aquele que acha que pode viver uma vida excelente (excedente) sem a necessidade do cumprimento da Lei. O equilíbrio desta tensão parece a melhor solução.
A lei é o fundamento da vida de todo crente e o padrão de condenação para todo que não crê.
Além de regra, norma, estatuto, mandamento, ela também funciona como uma regra de vida, ou seja, as disposições necessárias para o bem viver, os fundamentos de uma vida saudável em todos os aspectos. Por isto, muitos teólogos sabiamente costumam pensar na lei como tendo uma tríplice aplicação: civil ou judicial, religiosa ou cerimonial e moral. Por isto, não podemos, negar ou negligenciar nenhum dos seus aspectos. Tal religiosidade está fadada a todo tipo de subjetivismo e loucura. É baseado na Lei que Deus tem julgado (e julgará) nossas obras. Quem é antinomista deve pensar nisto.
Na contramão (aparente) disto estamos incapacitados pelo pecado de sermos cumpridores da Lei, por isto em Cristo somos selados por seu Espírito e justificados pela fé n´Ele. É um problema que os legalistas não conseguem enxergar. Cristo, que é o cumpridor de toda a Lei e aquele que, como vimos em Mateus 5, exige que os seus excedam a Lei e a compreendam com profundidade ampliando sua aplicação. Sem os critérios da lei não podemos saber nem mesmo por onde começar, mas a leitura simples e rasa da Lei prejudica tanto quanto negá-la. Veja o caso do jovem rico e tantos outros (Mt 19.16-26). Ele é enquadrado nos mandamentos e por eles é rejeitado porque Jesus exige que ele venda tudo que tem (algo não prescrito na Lei) e o siga. Estava à prova o seu amor a Deus provado/atestado pelo seu amor pelo próximo (¨amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo¨).
Falta compreensão profunda, compromisso verdadeiro e amor a Deus em ambas as visões: antinomistas e legalistas.
Com isto fica fácil entender porque Jesus fazia o que ¨não se podia fazer¨ no sábado e, mais ainda, compreender sua afirmação de que o homem não foi feito para o sábado,  mas o sábado para o homem¨ (Mc 2.27). Fica fácil entender porque ele comia com pecadores e os abençoava. Fica fácil entender porque estrangeiros se aproximavam dele com tanta fé. Também fica compreensível entender Salmos como o 119 que louvam a Lei de Deus de modo tão intenso.
Fica fácil medir a hipocrisia dos legalistas e a libertinagem e vazio dos antinomistas.
Enfim, quem tem o Espirito Santo de Deus reconhece facilmente que a Lei de Deus é boa. Aliás, muito boa!
[1]Fica uma crítica quanto a tradução do termo antinomianismo. Já temo em português o termo antinomismo que traduz a mesma palavra e ter precisão de significado. A palavra antinomianismo é, inclusive, um trava língua (e trava leitura).

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