PASTOR COMO TEÓLOGO PÚBLICO VIDA NOVA

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VANHOOZER, Kevin J. O Pastor como teólogo público – recuperando a visão perdida. São Paulo, Vida Nova, 2016.

O pastor como teólogo público: recuperando uma visão perdida

O pastor como teólogo público: recuperando uma visão perdida, é um livro de Kevin Vanhoozer em cooperação com diversos outros autores. Edita por Edições Vida Nova, traz à tona o debate de um assunto muito importante – o pastor enquanto teólogo público, ou seja, no papel daquele que corresponde a ideias de proclamação da Palavra de Deus enquanto é um sujeito relevante na sociedade e para sua igreja.

Como se propõe o livro, a linguagem é simples porque tem como objetivo ser lido e compreendido por pastores mais eruditos, pastores iniciantes, pastores auxiliares, pelo diáconos da igreja e pela igreja de modo geral. E alcança este objetivo. Mas surpreende quem, principalmente neste momento atribulado que vivemos no nosso país, com impeachment da presidente em discussão, a corrupção sendo desmascarada, quando, dentro do movimento protestante, as discussões e desconfianças em torno da Teologia da Missão Integral e suas possíveis relações com o marxismo e distanciamento da ortodoxia e ortopraxia protestantes, e a crescente presença do conservadorismo, de que o autor entra nestes assuntos porque não entra. Por Teólogo Público entenda-se aquele que faz sua Teologia publicamente, no exercício de funções pastorais. Toda a compreensão gira em torno da sua relação com sua relação particular com a teologia, com sua congregação e como evangelista.

O livro chegou às minhas mãos em momento oportuno. No momento em que faço minhas reflexões sobre a relação do oficio pastoral e da vocação teológica, já sabendo da total necessidade de manter integradas estas características que jamais deveriam ter se dissociado, ao mesmo tempo em que nado em meio a livros sobre teologia politica, como Pobreza das Nações e a biografias entusiasmadas de grandes homens de Deus como o Dr. Martyn Lloyd Jones. A análise do livro ajuda muito na retomada da compreensão do ministério pastoral.

Mesmo que as página do livro sejam um sério convite à intelectualização pastoral, uma vez que os exemplos sempre apontam o grande vulto das atividades intelectuais dos pastores ao longo do tempo, o autor deixa claro que o ministério leigo não pode ausentar-se da obrigação de se posicionar diante de uma teologia sadia e de uma leitura clara da realidade presente, mas com o pé na longa e profícua tradição da igreja.

O título Pastor como Teólogo Público pode soar estranho para muitos, sobretudo neste mar de confusões que vivemos por causa da Missão Integral, o moribunda Teologia da Libertação, o Pragmatismo Neo-pentecostal e o emergente ressurgimento do conservadorismo. Deveria, no entanto, nos soar muito mais estranhos os diversos papéis desenvolvidos, sobretudo de meados do século XIX até aqui pelo pastores: o pastor mestre do século XIX, o pastor pregador avivalista do final do século XIX, o pastor construtor do final do século XIX e o pastor gestor de pessoas do século XX. Sem contar o pastor conselheiro, quando da corrida para adquirir e aprofundar conhecimentos na área da psicologia e estas ciências psi. Mesmo assim, em algum momento soa estranha a citação de Antonio Gramsci[1] como referência para a relação entre líderes e liderados. Neste ponto deveria haver algum cuidado maior do autor e editores.

Há um caminho para se tornar pastor teólogo e neste livro, como bons pastores sul-americanos, nos incomodamos com propostas como ter uma equipe de conselheiros, mas com um pouco de sabedoria, aplicamos o mesmo conceito focando na realidade de que o pastor não pode se isolar teologicamente o que, invariavelmente acontece na sua relação com a igreja. Aliado a isto, e um conselho que de novo não tem nada, manter uma rotina de estudos metodicamente. O foco, sempre, é a Palavra e a melhor maneira de transmiti-la no tempo espaço.

Soa corajosa, mas o argumento é bastante sólido, a ideia de ver nos ofícios de Cristo (profeta, sacerdote e rei), as colunas do ministério de um pastor profeta público, mas parece irremediável. O profeta que comunica a vontade de Deus e a interpreta, o sacerdote que ministra todas as manifestações da Graça de Deus e o rei que governa com equidade e dirige o povo de Deus o levando à sua glória. O pastor deve dar respostas aos conflitos da vida e o integrar o povo com os meios que o pode levar para mais perto de Cristo.

Grandes vultos da história como Irineu, Tertuliano, Agostinho, Bernardo de Claraval e os reformadores Lutero e Calvino não poderiam ser esquecidos em seu oficio pastoral e da visão que tinham disto. Destaco, sobretudo em Agostinho e Calvino, a visão que tinham de si mesmo de pastores que pregavam a palavra e não tinham tempo para devaneios teológicos e que viam em todo o seu trabalho, a diligente tarefa de levar à Palavra de Deus ao povo de modo inteligível e contextualizada, mas que, ao fazê-lo, facilmente os reconhecemos como teólogos e homens de grande importância no pensamento cristão até hoje. Mais tardiamente, de herança protestante e puritana, Johnatan Edwards surge como este pastor, este, sabidamente, um pregador, um homem preocupado com a salvação e sã doutrina, que estudava muito, que prepara com esmero seus sermões e, que conhecemos como um vulto intelectual também. Como já citado acima, o século XIX foi palco de grandes transformações e nem sempre para melhor. O liberalismo, nos EUA a retirada da tutela financeira do Estado, geraram um novo modelo de pastores, mais preocupados com números e levantamento de recursos e que, por isto, assumiram uma abordagem mais populista da pregação e do ofício pastoral, desprezando o preparo intelectual e teológico. Entre estes líderes mais populistas, Chales Finney. Sopros de vida, nos EUA, somente nos anos 1930 com Harold John Ockenga, na Europa com Barth, e logo com Lloyd Jones.

O que segue são um lista organizada de conselhos e apontamentos sobre a construção da vida de um pastor como teólogo público. O uso da Teologia Sistemática e prática com conhecimento canônico para a construção de uma construção hermenêutica segura. O Evangelho deve ser entendido em sua Verdade, Bondade e Beleza. Neste sentido o pastor teólogo público é um artesão na casa de Deus, pregando, fazendo discípulos com Cristo como alicerce, supervisionando estas mesmas pessoas nas suas particularidades, reconstruindo e reformando como fizeram Esdras e Neemias e como fizeram os apóstolos porque estamos neste projeto de Deus de construir. A expressão o que é/está em Cristo, aparece constantemente no texto, como afirmação de que há uma dimensão dicotomizada da tarefa no sentido que que já vivemos realidades do que Cristo nos legou (o que é), e há ainda mais em sua transcendência e que lhe são próprias como Deus e cabeça da igreja. O pastor é um evangelista que proclama o que está em Cristo, tendo como passo seguinte fazer o parto destas pessoas em Cristo. Quanto ele trata da visitação pastoral é enfático e direto quando afirma que um grupo de pessoas (membros da igreja) não pode ser maior que a capacidade do pastor de visitar e acompanhar de perto. O sermão ocupa, como era de se esperar de protestantes e reformados, o ponto alto da vida do pastor teólogo público. O sermão é o elemento principal para construir uma igreja sadia e, por meio da pregação, o pastor deve ser um apaixonado e levar sua congregação a usar o coração e ir até as alturas do conhecimento de Deus: ajudando pessoas nas aflições, interpretando a vida à luz das Escrituras, lidando com a mortalidade ao mesmo tempo que torna a realidade pura e simples. O pastor, ao descrever o que Deus fez e faz, ajuda sua congregação a dimensionar sua relação por meio disto. Entendimento que leva ao conhecimento, e conhecimento de Deus. A Bíblia, como livro do povo de Deus, deve ser lida em sua integridade e no contexto canônico, e questões indicativas (aquelas regidas pelos verbos indicativos no texto bíblico) devem ser encaradas, também, para o indicativo daquilo que Cristo faz. Aqui vale uma observação muito importante: ¨a Bíblia só se torna normativa depois que é indicativa e imperativa¨, ou seja, o visão sistemática só pode surgir depois que ela é a compreensão daquilo que Deus faz e por meio da obediência do crente e da igreja. O pastor deve ter ideia do que está construindo, ou seja, enxergar a floresta por trás das árvores ou casa além da construção das paredes. Neste aspecto, existe uma clara distinção entre aqueles que são abstratos teóricos e orgânicos práticos, ou seja, pastores são como pedreiros que pões tijolo após tijolo, mas que conseguem também enxergar a obra como um todo. Voltando às Escrituras e pensando no papel real das mesmas na vida da igreja, ele aconselha que se pregue teodramaticamente, ou seja, aproveitar o texto bíblico como uma grande narrativa teológica levando o público nesta viagem espiritual, ou seja, o pastor teólogo deve ter no teodrama sua grande ferramenta de comunicação. Nos seminários, por exemplo, é importante a conexão das Escrituras com a longa tradição da igreja, ensinar teologia sempre de modo interdisciplinas integrando todos os saberes e levando os futuros pastores a serem grandes generalistas, compreendendo um pouco de cada linguagem descritiva da realidade. O pastor teólogo público é um liturgista e não deve entregar este ofício a outros porque deve ter a noção do todo e sabe/deve guiar as ações de culto. Oração pública e a presença da oração como elemento fundamental do culto e da vida da igreja. A capacidade de defender a fé cristã são centrais também e a apresentação dos seis contra argumentos da página 231 servem como referência para o campo deste debate, que transcrevemos aqui:

  1. É impossível uma única religião verdadeira que considere falsas todas as outras visões; 2. O mal e o sofrimento tornam impossível o Deus poderoso da Bíblia; 3. Meu direito de escolha é sagrado e não pode ser transgredido por nenhuma religião ou ideologia que exija que eu me submeta a alguma autoridade, 4. O histórico da igreja é muito deplorável; 5.A ira ou indignação de Deus é intragável, talvez até criminosa; 6. A Bíblia não merece confiança e é socialmente retrógrada.

O livro termina com uma lista de 55 pontos da construção da identidade do pastor teólogo público que já perpassaram por todo o livro. re

É possível sentir a dificuldade quanto a aspectos mais abrangentes do papel pastoral e dos desafios atuais que são muito comuns pelo mundo como o descrédito e desconfiança que repousam sobre o papel pastoral pela sociedade de modo geral ao passo que há um endeusamento do pastor por outro lado, sendo este o grande motivo para abusos e manipulações muito bem conhecidas de todos nós. Faltou a discussão da relação do pastor teólogo público as diversas camadas sociais já que ele enxerga o pastor, sobretudo do ponto de vista de sua relação com a congregação, que pode gerar, ao final da leitura, o sentimento de que o isolamento é cada vez mais necessário e convidativo, quando avaliamos cada vez mais que o contrário é necessário. Não tratou, por exemplo, da longa atividade profética de Israel que apontava a necessidade de mudanças sociais como forma de estar na vontade de Deus.

Com cuidado, de qualquer forma, é uma leitura que ainda vale a pena.

Pr. Júnior Martins

Março de 2016

[1] Antonio Gramsci (Ales22 de janeiro de 1891 — Roma27 de abril de 1937) foi um filósofo marxistajornalista, crítico literário e político italiano. Escreveu sobre teoria políticasociologiaantropologia e linguística. Foi membro-fundador e secretário-geral do Partido Comunista da Itália, e deputado pelo distrito do Vêneto, sendo preso pelo regime fascista de Benito Mussolini. Gramsci é reconhecido, principalmente, pela sua teoria a hegemonia cultural que descreve como o Estado usa nas sociedades ocidentais, as instituições culturais para conservar o poder.

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