OS DEZ MANDAMENTOS E OS DOIS GRANDES MANDAMENTOS
AMAR A DEUS SOBRE TODAS AS COISAS E AO PRÓXIMO COMO A SI MESMO.
Vivemos um tempo muito contraditório. Já que aceitamos, como sociedade, a ideia de que cada um tem tanto a sua verdade quanto o direito de viver esta verdade na qual acredita e expressá-la, coisas que poderíamos chamar de politicamente corretas, chamar de pluralismo de ideias ou por outros nomes, imaginávamos que o fim das guerras, conflitos, discussões, partidarismo iria chegar. Aconteceu o contrário.
As redes sociais têm a grande virtude de democratizar a voz e o direito à opinião. Rapidamente tudo vira notícia e podemos interagir com estas notícias. Somos capazes de produzir conteúdo e divulgar o conteúdo, como estamos fazendo aqui. A exceção de postagens cujos comentários são bloqueados, o que é muito raro na verdade, todos nós podemos interagir com as notícias e dar nossas opiniões e, com isto, nos envolvermos em polêmicas, discussões e mal entendidos. É possível ver pessoas que concordam umas com as outras discutindo e ver amizades sendo desgastadas, quando não rompidas, já que temos toda esta liberdade.
Há também, não apenas nas relações virtuais, mas nas relações reais, cara a cara, cada vez mais raras e cada vez menos intensas, a polarização de ideias e a dificuldade de convívio no mundo real, corporal, limitado por um espaço físico não virtual. Este mundo real é menos controlado pelas teclas de celulares, tabletes e computadores, mais instável e mais sujeito a interferências. Um mundo no qual, pela inteiração real, não é possível apagar mensagens e reescrevê-las, não é possível alterar imagens por meio de aplicativos e programas, um mundo onde não é possível controlar o que acontece instantaneamente. O mundo virtual é uma proteção e um refúgio para a possibilidade de fracassos, ao mesmo tempo um mundo que oculta a verdade e falseia a imagem.
Do mesmo modo que fazemos e desfazemos amizades no mundo virtual, do mesmo modo que bloqueamos ou recusamos o que é indesejado, do mesmo modo que manipulamos e alteramos imagens e mensagens, o mundo real sofre interferências também. Se por um lado, as distâncias foram encurtadas no tempo e espaço, por outro a possibilidade crescente de tensões e conflitos aumentou na mesmo proporção. Resumindo: quase não mais suportamos os outros, não queremos contato real, fugimos, conflitamos. Por outro lado, somos uma imagem alterada e resguardada de nós mesmos. Precisamos nos proteger e não mostrar nossas franquezas. Mesmo quando elas são demonstradas são também igualmente mascaradas, deletadas ou substituídas por outras. As teclas virtuais de um celular são o medicamento psiquiátrico mais eficiente de todos os tempos, já que o deprimido de hoje é o ator de uma propaganda de margarina no dia seguinte.
Os Dez Mandamentos, ou as Dez Palavras, são o código moral de Deus para a humanidade conforme podemos ver narrados em Êxodo 20 e Deuteronômio 5. Muitos especialistas em direito e juristas apontam que tal código, se seguido, seria suficiente para regular todas as questões e relações da sociedade, desde a família nuclear até relações macrocósmicas como relações de Governo e de Estado. Jesus, se valendo da tradição rabínica, resume os Dez Mandamentos ao mesmo tempo em que ele reafirma cada um deles, mas sinteticamente. Ainda que a palavra ¨não¨ seja uma tônica dos mandamentos, deixando claros os limites e as impossibilidades, sua perfeita compreensão abre caminho para um sem-fim de ações e possibilidades, todas elas igualmente positivas. Podemos amar, podemos ajudar, podemos trabalhar juntos, podemos conversar, podemos construir coisas juntos, podemos nos transformar um ao outro. Estas relações traduzem a relação original de Deus ao criar todas as coisas, incluindo a humanidade, vendo que tudo era bom e que tudo tinha, pelo menos potencialmente, poder criativo, transformador e agregador. A tensão das relações humanas, desta forma, não assinala apenas um desvio de comportamento, mas um desvio de finalidade, de propósito.
A julgar pelas relações cristãs, igualmente tensas e complicadas, a julgar pelo número de divisões entres cristãos facilmente demonstrados pela enormidade de denominações ativas e sem qualquer possibilidade de diálogo entre si, nos parece que nem mesmo a igreja é capaz de estabelecer relações sadias e produtivas. O trabalho pastoral e de aconselhamento demonstra isto: fracasso de casamentos, fracasso de amizades, pessoas tóxicas e manipuladoras, relacionamentos que são quebrados e impossíveis de reconciliação. Há um caos e um colapso nas relações humanas. O que fazer?
Acredito que a famosa frase de Rupertus Meldenius, luterano do século XVII, frase erroneamente atribuída a Agostinho, ajude um pouco: ¨nas coisas essenciais, unidade; nas não-essenciais, liberdade; e em todas as coisas, amor.¨ É claro que cabe a discussão sobre o que é essencial e o que não é essencial. Esta frase está inserida na controvérsia e divisão provocada pela própria Reforma Protestante. Tempos de ideias e debates aflorados, acalorados, quando não sangrentos. Acredito que ninguém tenha ainda de fato atentado para o conteúdo desta frase.
Acredito também que devemos investir ainda mais em nossas relações reais, ou seja, gastar mais tempo com gente de verdade e fisicamente presente (já que tem muita gente de verdade atrás de dispositivos eletrônicos).
É preciso sabedoria e capacidade para analisar as intenções e motivações das pessoas em nossas relações porque facilmente nos tornamos objetos de manipulação para fins espúrios de pessoas mal intencionadas. Do mesmo modo, analisar rotineiramente os motivos que sustentam nossas relações e procurarmos ser o mais verdadeiros possíveis. Relacionamentos também são passíveis de crescimento, reavaliação, renegociações e adaptações.
Avalie se as discussões nas quais você está no mundo virtual e real valem mesmo a pena ou se não valem tanto esforço e desgaste. Pergunte-se: vai ajudar ou atrapalhar a mim e aos que terão contato com este conteúdo? Eu teria coragem de defender esta ideia até o fim? Como seria se eu me encontrasse cara a cara com este com quem discuto? Vale a pena gastar tempo e empenhar a vida neste tema? Até que ponto você está disposto a ser o porta-voz de certas ideias e opiniões? Acho que vale acrescentar aqui palavras do Pastor Israel Belo de Azevedo que, curiosamente, também tratou deste assunto em suas devocionais diárias chamadas de ¨Bom Dia Amigo¨ publicada no mesmo dia em que escrevi este texto[1]:
“Eu fico abismado com a facilidade com que pessoas desinformadas chegam a certezas, a opiniões inflamadas quando não têm qualquer base para julgarem”. (William Golding)
Sem pressa para opinar. Somos pessoas de opinião. Muitos de nós acabamos opinando até sobre o que não conhecemos.
Não temos que ter opinião sobre tudo, porque é vasto demais o território a conhecer.
Nossa opinião não pode se basear numa manchete de jornal ou numa chamada de telejornal, obrigatoriamente incompletas porque apresentadas em pouquíssimas palavras.
Nossa opinião deve ser emitida depois de prestarmos atenção ao que o outro diz ou escreve, por uma questão de respeito. Quando respeitamos o outro, fazemos justiça ao conteúdo que ele busca transmitir, não torcemos suas ideias e aprendemos com ele. E aprender é muito bom.
Nossa opinião deve ser fruto do estudo. Dispomos de muitos recursos para melhorar nossa compreensão sobre um assunto. No caso de um artigo, devemos lê-la na íntegra e não apenas algumas frases. No caso de uma reportagem, devemos ouvi-la ou lê-la por completo.
Nossa opinião não deve ser uma mera repetição do que já disseram. Se não nos cuidarmos, repetiremos o que as pessoas nunca disseram, mas disseram que disseram. Se não formos atentos, reproduziremos mentiras. Se não formos críticos, disseminaremos estereótipos e ódios.
Os assuntos realmente importantes podem esperar por nossa opinião. Quando ponderamos nossas opiniões, ajudamos a levantar a bandeira da paz.
Não sejamos inocentes. O mundo não é composto apenas de pessoas mal informadas e sem acesso a educação de qualidade e por isto incompletas e equivocadas. Em outras palavras, infelizmente o mundo está cheio de pessoas realmente maldosas e mal intencionadas. Pessoas manipuladoras podem ser mais comuns e próximas do que podemos imaginar.
Um pouco de paciência nunca é demais. Todos os debates acalorados de nosso tempo não duram mais de 48 horas. Será que vale a pena um desgaste tão grande por um debate que logo se encerra?
Há coisas pelas quais realmente vale a pena lutar e quase nenhuma delas está nas redes sociais e nos relacionamentos efêmeros e líquidos de nosso tempo. São aqueles assuntos que dizem respeito à nossa família, aqueles assuntos que dizem respeito à nossa alma, ao nosso crescimento pessoal.
É preciso, também, valorizar ao máximo nossas amizades e as pessoas verdadeiras, parceiras, amigas e companheiras que a vida nos deu de presente. Não basta que nos afastemos de pessoas más e tóxicas, temos que nos apegar àquelas que realmente valem a pena.
Quem nunca teve problemas de relacionamento? Quem nunca foi traído ou trapaceado? Quem nunca perdeu um amigo ou parceiro? Quem nunca magoou alguém? Nem por isto devemos nos desesperar e desacreditar dos relacionamentos bons.
Os relacionamentos estão em colapso? Sim, eles estão, mas não o suficiente para acreditarmos no fim deles.
Pr Júnior Martins
09.10.17
[1] Ver em YouTube: https://youtu.be/gj22RjSdccoe