NÃO OLHE PARA CIMA – FILME DA NETFLIX – 2021 – R.I.P. HUMAN BEING

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Segundo a Netflix, “dois astrônomos medíocres descobrem que em poucos meses um meteorito destruirá o planeta Terra. A partir desse momento, eles devem alertar a humanidade por meio da imprensa sobre o perigo que se aproxima”. Entretanto, o fato é abafado pela politicagem, espetacularizado pela baixeza da imprensa, banalizado pelas redes sociais e se transforma, como tudo neste mundo, num produto cuja interpretação não depende da simples observação, mas da ideologia que se segue; do partido que está no poder que, como sempre, só pensa nas próximas eleições; e em disputas comerciais cujo lucro é mais importante que a verdade.

A arte tem o inquietante poder de nos colocar diante do espelho, mas com muita ironia. A afirmação de que a arte imita a vida, ou até de que a vida imita a arte, sempre será uma simplificação exagerada da relação entre expressões humanas que pouco, ou nada, tem de incomum. A vida pode ser tão dramática, caótica e destituída de propósito como a arte contemporânea. Principalmente num tempo em que apegar-se ao vento é o esporte favorito das massas manobráveis. A arte, no que lhe concerne a sua subjetividade, permite que o homem se expresse através das mais variadas formas expondo inescrupulosamente seus desejos e as sujeiras escondidas nos recantos mais remotos da mente e do coração. Estes, envernizados pela crítica falsamente ampla e profunda, maquiados de beleza e turbinados pela tecnologia. Neste caso específico, um profundo desejo de autodestruição, já que lhe escapa a possibilidade de uma redenção que venha de fora de si mesmo. Alguém mais amargo poderia afirmar que a diferença entre a vida e a arte seria apenas que, na arte, pode haver a consciência de que se está encenando ou representando sem maiores consequências.

Este espírito apocalíptico está instalado no inconsciente humano e todos preveem, ou sabem, que haverá um fim. Uns se digladiam afirmando que o último homem tombará agarrado à última árvore. Ou ainda, que este último ser racional autodestrutivo morrerá sufocado e solitário no último milímetro cúbico de ar respirável. Outros imaginam que devoraremos os últimos recursos alimentares até que os últimos sobreviventes também caiam mortos por inanição tentando, sem sucesso, devorar os outros. Um fim cataclísmico também povoa o imaginário popular e científico, já que não são poucos os astros celestes que vagueiam pelo Universo procurando um propósito existencial maior, mesmo que este seja consumir algum planetinha mal habitado e descuidado em sua rota. Em tudo isto, o que é comum nestas narrativas do fim, é que tais possibilidades manifestam os desejos mais entranhados de que a humanidade, mais uma vez destituída do sentido da sua própria existência, mereça desaparecer através de um massacre operado por uma vingança organizada há milhares, quem sabe milhões de anos, pela própria natureza.

Quem procura se manter minimamente sadio e sensato, vive dores torturantes e um constante desconforto existencial. A loucura está travestida pelas caras e bocas das redes sociais, de politicagem da mais baixa natureza, por falsos sentimentos de urgência em função de coisas que nada acrescentam à vida humana. Além disto há, nesta loucura com cara de sanidade, uma máscara de empatia que, quando revelada, nada mais é do que o mais animalesco instinto de sobrevivência. Nos perdoem por tal comparação os animais que lutam apenas por comida e sexo visando sua manutenção e existência, enquanto nós, seres racionais e dominantes, lutamos por poder, ou ainda, pelo simples prazer de ver destruído aqueles que não nos agradaram pelos motivos mais tolos e inimagináveis como, por exemplo, não gostar das nossas incursões virtuais, ou cometer o imperdoável pecado de não nos seguir e dar like nos nossos vídeos.

Mas nem toda raiva e vontade de justiça é absolutamente injustificável por que, afinal de contas, alguém que consegue cobrar por aquilo que é de graça não estaria definitivamente no rol dos homens mais cruéis da humanidade, e que merecem todo o mal como pagamento por sua ganância? Cobrar pelo que é de graça é a expressão daquilo que um homem pode fazer de pior, já que não basta a este usufruir, sem o devido cuidado e gratidão, daquilo que gratuitamente recebeu, mas acrescenta a isto o crime de capitalizar (literalmente) para si os dons alheios. Com isto, prejudica quem tem reais necessidades, mas jamais poderia pagar pelo que precisa. Este não é um desvio apenas daqueles que detém o poder e, por isto, manipulam o povo, mas daqueles que cobram pedágios para quem, através do coração, deseja o céu, mas cuja mente ainda não captou a armadilha em que caiu quando, na sala ao lado, estava a salvação.

Mais uma vez a arte mostra que, no afunilamento das decisões humanas mais importantes, sobram apenas aqueles valores que mantém nossa existência minimamente tolerável no mundo e para nós mesmos: a família reunida diante de um Deus que ouve as nossas orações – mesmo que até então tenham se traído e jamais tenham crido ou feito uma oração. Este princípio é tão fundamental e entranhado na alma humana que permite o homem encarar, sem titubear, os seus maiores medos: da morte, da dor, do sofrimento, de um fim trágico e solitário, além do seu destino eterno. Talvez seja isto que falte ao homem moderno: encarar sua finitude para calibrar os seus valores. Olhar para baixo, para cima, para o lado, ou mesmo para dentro, de nada vale quando o olhar só consegue captar aquilo para o qual os olhos já estão condicionados: futilidades e nulidades. Ainda assim, olhar para cima (como metáfora para buscar o Eterno) é útil quando se sabe que quem está lá não se interessa mais por aqueles que deliberadamente negligenciaram os seus sinais, sejam os sinais de Deus, ou os sinais de um meteoro profetizado pelas lentes de um telescópio, e estão, agora, definitivamente condenados à nulidade e ao esquecimento. No caso da ficção, era a possibilidade de gozar o show do céu, terra e mar se dissolvendo sob os olhares curiosos e os aplausos de muitos que têm diante de si um derradeiro mal cataclísmico insolúvel e irreversível. No nosso caso, aqueles que creem, poderia ser a possibilidade de perecer tranquilamente com nossas almas devidamente encomendadas à salvação.

Ambiguamente, e pode ser pela mais pura necessidade de subsistência, não conseguimos nos livrar das redes sociais mesmo reconhecendo seus perigos e futilidades. Elas esvaziam a existência aqui e seus efeitos reverberarão na eternidade. Mesmo sabendo disto, estamos prontos a concordar, com largo sorriso e acenos de alto a baixo com a cabeça, com todos que, legitimamente, criticam o que as redes sociais se tornaram: um império de inutilidades. E não é difícil concluir que estamos diante de um verdadeiro império. Basta ver o quanto as redes sociais pagam por conteúdo sem qualquer valor cultural, emocional, estético, etc. As grandes estrelas das mídias sociais são famosas e têm conteúdo, muitas vezes considerados como relevantes, mas por razões desconhecidas e diferentes daquelas pelas quais grandes homens dedicaram seus valiosos esforços e, em alguns casos, pagando com a própria vida. Descobertas e desenvolvimentos que moveram grandes mentes da humanidade e que nos sustentam até agora garantindo conforto, segurança e beleza. Quanto a beleza, estes novos artistas contemporâneos estão longe do rigor artístico, estético e criativo daquelas mentes brilhantes e dedicadas a embelezar e criar valor. As redes funcionam como um vício destruidor. Mais uma vez, a verdade, a beleza, a criatividade, a harmonia, a inteligência e a sagacidade, enfim, tudo aquilo de mais nobre que a humanidade poderia usufruir, é regido pelo lucro rápido e exorbitante mascarado pelas visualizações, likes e compartilhamentos, que retroalimentam infinitamente mais banalidades e futilidades.

O algoritmo é uma nova divindade. E como toda falsa divindade é determinista, implacável e irônica. Aqueles que estão por trás dos algoritmos, ora manipulam o seu “deus”, ora exercem seu pleno sacerdócio. Este deus matemático, científico, sedutor e inebriante, sabe ler os gostos humanos porque é ele quem os condiciona. Como fazem os mágicos, prestidigitadores e outros charlatões, o deus algoritmo te convence porque conhece seu coração, sua mente e seus hábitos lendo cada um deles através dos bytes compartilhados em suas navegações que, em muitos sentidos, manifestam a essência humana. Finalmente, o homem pode ser conhecido.

Quem ainda crê na regência pendular da existência humana, que faz oscilar períodos de nulidades com fases onde a aurora ensaia raiar, deve lembrar que poucas coisas podem ser feitas quando se tem quase nada, e que a essência de qualquer produto está na combinação dos ingredientes que o formam e que nunca podem ser superados, mesmo quando unidos. Como no filme, pouca esperança pós-apocalíptica resta quando a base da sociedade terrena é formada por meninos mimados e idiotizados. Por sorte, noutro planeta alguns ainda podem ser úteis virando comida de Brontaroc, ou sendo objeto que satisfaz sua voracidade, evitando que um ciclo de nulidades e futilidades (re)comece com novos Adões e Evas.

Afinal de contas, talvez a mensagem central do filme não seja porque o mal entrou na humanidade, ou porquê nos tornamos o que nos tornamos, mas que teria sido melhor ter exterminado Adão e Eva antes que falhassem. Ainda nos sobra o consolo de que, em algum lugar do Universo, ainda que a mais de 20.000 anos de viagem, haja um lugar que ficou livre de nós.

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