MENDIGO ABERCROMBIE E FITCH, A TORTA DE FRANGO E A FEIURA

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Acordei cedo liguei o computador, atualizei minhas mensagens, banho, papo com a esposa, carro na garagem, parada na padaria. Olhei, olhei, escolhi: torta de massa podre de frango com Catupiry e mussarela e pingado (café com leite grande!). Depois da escolha, sento no banco do balcão de frente para a porta e espero. De repente entra um rapaz. Mais ou menos 1,65 de altura, magro, barbudo e cabeludo, mas não muito desengonçado. Blusa, camisa e calça, todos bem sujinhos. Ele se dirige ao balconista da padaria. A voz grave e as palavras bem projetadas chamam minha atenção: ¨por favor, poderia me dar um pão com manteiga e um café com leite¨. Curiosamente o balconista vira as costas na minha direção resmungando algo que não entendi, e nem gostaria de entender. Meu imediatismo age mais rápido: ¨pode dar o que ele quer e põe na minha comanda¨. O rapaz faz sinal de agradecimento e diz ao balconista: ¨me vê um salgado, uma torta….¨, faço sinal que sim, fazer o que, vai comer o mesmo que eu – justo! Sou servido. O outro balconista prepara o lanche para ser levado (e comido bem longe dali) e entrega nas mãos do nosso amigo pouco querido, pouco desejado, mas muito fedido. Mais uma vez, mais um pedido: ¨posso comer aqui? ¨, o balconista olha para o outro, pensa um pouco e diz se voltando para seu colega: ¨Ele pode comer aqui? ¨, a resposta não foi um sim, aliás, nem foi resposta alguma. Nosso amigo se senta e começa a comer. Termino meu café. Recebo um sinal do nosso amigo que parece ser um obrigado. Estranho jeito para começar o dia. Vou para o caixa. Deixo lá R$ 12,80, débito automático porque só tinha R$ 10,00 na carteira. Vou para o carro.         

No carro, ligo o rádio. Meu amigo Gilberto está falando: ¨S-E-N-S-A-C-I-O-N-A-L, fabricante de marcas de grife diz que não vai mais fabricar números grandes para que suas roupas não sejam usadas por pessoas gordas e feias. Em protesto, um fotógrafo apelou para pessoas que possuíssem roupas desta marca que doassem aos mendigos, que seriam fotografados com roupas originais destas marcas – S-E-N-S-A-C-I-O-N-A-L¨.

Mendigo, morador de rua, termos que confundo aqui.

Já completamente tomado pela coincidência passo a refletir. Situações muito estranhas. Pensamentos e conclusões contraditórias não podem ser mais possíveis em outros casos do que nestes dois: da padaria e do rádio.

Mendigo não é gente? Para mim são. A solução de limpar as ruas dos mendigos, os encaixotando onde não possam ser vistos, é, de todas as soluções, a mais nojenta. Ouvi esta semana que em algumas cidades americanas eles têm voz nas ruas, inclusive cantam. Aqui são tidos como lixo e ignorados, e já até se sentem assim. Uma pena. Lá, o simples fato de comprarem um pão, que tem impostos, os faz cidadãos. Olhe, aqui, pelas ruas e verá os nossos moradores de rua cabisbaixos, com cara de raiva, preparados para os possíveis ataques, bêbados, e tudo mais. É o que fazemos – ignoramos por nos incomodar tanto. Estão por todo o lado. São gente. Podemos ver neles projetadas todas as coisas que somos, camufladas em nossas roupas, carros e perfuminhos.    

¨Mendigo não é problema meu!¨ – assim como transporte, poluição, saúde, educação… De quem é o problema então? Será por isto que queremos tanto confirmar a existência de outras civilizações, de OVNIS? Já chegariam levando a culpa? Ou será dos políticos? Esta atitude escapista de por culpa em político já foi tolerável e aceitável há muito tempo. Descobri que político e cidadão estão separados muito mais pelo idioma do qual se originam do que pelo sentido da palavra. Aquela grega, esta latina. Político é cidadão. Cidadão é político. Quando me omito ou culpo outro, também estou tomando uma posição, tomando uma decisão. Mesmo que essa seja deixar para outros que façam o que querem.  O problema é de todo mundo. E uma solução humanizada deve ser tomada.

E quanto a grife? Gordo é feio e magro é bonito? E os gordos bonitos e os magros feios? Aliás, o que é bonito e feio? O que é gordo e magro? Uma camiseta, de R$ 200,00 ou mais, faz um magro bonito? É bonito pagar caro e fazer propaganda de graça? Quem é Abercrombie? Quem é Fitch? (bom, eu não sei, porque além de gordo, sou feio e pobre!).    

E o preconceito? Vem de todo lado, da padaria do bairro e da Grife Internacional, da camiseta de R$ 200,00 e da torta com pingado de R$ 6,40, questionada por um aprendiz de sei lá o que e do colunista culto, poliglota e cosmopolita.

Não será aqui. Mas precisamos rever todos nossos conceitos: mendigos e proprietários de imóveis, bonitos e feios, gordos e magros, cultos e leigos, caro e barato, grife e comum.

Até mesmo do apego e do desapego. O apego humanizador e solidário e o desapego material e pomposo de coisas descabidas.

Pastor José Martins Júnior

Quase mendigo

Quase feio

Quase pobre

Quase leigo

Quase gordo

16 de maio de 2013

 

 
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1 comentário
  1. Reproduzo aqui um comentário do José Carlos Augusto, meu novo companheiro de caminhada e ensino na Igreja: ¨… Esta situação do texto é lamentável! Penso que jogar a culpa nos políticos, até porque são um dos principais responsáveis por esta situação social ruim, é agir também politicamente, servindo apenas como desculpa para a omissão. Tive oportunidade de conhecê-los e participar do movimento dos "moradores em situação de rua", como eles gostam de ser chamados, Organizei concurso literário e participei de várias iniciativas de reivindicações deste grupo. Através de minha equipe, concretizei um antigo sonho deles que foi a criação da "Frente Parlamentar dos Moradores em situação de rua", que obriga o município de São Paulo, a pelo menos uma vez por mês, reunir-se para tratar deste assunto. Solicitamos que a PMSP realizasse um mapeamento dos seus "Moradores em situação de rua", a fim de identificá-los e enquadra-los em políticas sociais pertinentes. Temos alguns sub-grupos entre este Grupo: 1) O Morador de Rua que é da rua, vive na rua e que não quer sair da Rua. 2) Temos o Morador que está na rua porque foi abandonado, não conta mais com o apoio da família e precisa de ajuda para reintegrar-se a Sociedade. 3) Temos o Morador que optou em morar na rua, em albergues, mas possui renda e em certos casos, até imóveis alugados. 4) Temos aquele que está na rua porque faliu. Perdeu tudo o que tinha e também necessita de programas de integração social para "sair" da rua. Por essas razões, o termo: "…em situação de rua", entendido com aquele que um dia poderá deixá-la. Provavelmente um mapeamento identificará outros sub-grupos. Sua Indignação tem total fundamento ao considerarmos os ensinamentos de nosso Senhor Jesus Cristo e, a omissão é sim um triste pecado!¨

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