IDEAL E REAL – MATEUS 17.1-13

0 Ações
0
0
0

Gosto muito de trabalhar as dicotomias, paradoxos e aparentes contradições que existem no mundo e na Bíblia. Elas são muitas. Por isto se fala em ¨tensões dialéticas¨, por isto se fala tanto em paradoxos.  Na riqueza destas aparentes contradições jaz o segredo da vida e do bem-estar.

Do ponto de vista evangélico (aqui falo dos Evangelhos mesmo, no caso de Mateus), vivemos a tensão entre dois mundos: o nosso visível e o Reino de Deus. A Bíblia afirma que já somos cidadãos de outro mundo, uma pátria ainda não conhecida e visitada por nós, mas da qual somos pertencentes. Seus valores, sua realidade, sua visão, são completamente diferentes da que temos. Curiosamente, somos ensinados e desafiados a viver aqui com os valores de lá, que já podemos conhecer e saber quais são pelas Escrituras. De certo modo, os valores da Pátria de Além, ainda jazem no mundo do ideal e não no mundo real. Vibramos quando podemos testemunhar ou viver tais valores nesta realidade.

No dia a dia também sofremos desta tensão. Falamos de como as coisas deveriam ser e pouco resultado temos no mundo real. Do púlpito das igrejas muito se fala do mundo ideal e tenta-se incutir na vida dos crentes que vivam segundo os valores que já nos são ensinados aqui e agora.

Lembro-me quando tive uma discussão acalorada com um colega de faculdade sobre isto. Eu já tinha um caminho andado na experiência pastoral e já havia vivido alguns dissabores que já tinham aplacado um pouco meu anseio de viver o Céu na Terra. Ele por sua vez, se mostrava completamente intolerante a erros cometidos por cristãos vivendo valores ainda mundanos. Não é à toa que vez ou outra aparece alguém falando que devemos ser isto ou aquilo, ou que certas coisas devem necessariamente acontecer no nosso meio constantemente provando que somos de outro Reino.  Falo de milagres, de pessoas perfeitas e santas em tudo, falo da expressão completa do amor em um grupo de pecadores.

Durante uma parte do meu ministério me vi quase que obrigado a me tornar muito irônico com algumas cobranças que sofria: eu devia curar as pessoas, eu devia converter as pessoas pelo meu próprio poder, não podia errar, e outros tantos absurdos que chega a dar vergonha de lembrar. Neste tempo eu me dirigia a estas pessoas dizendo que um dia ainda seria tão espiritual quanto elas e que eu era muito deste mundo para alcançar tamanha fé. Na verdade, o que pensava era que aquilo tudo era muita falsidade e mentira e que eles não viviam nada daquilo que diziam. Eram pessoas mergulhadas em erros e pecados que não teria coragem de enumerar todos aqui, mas: pessoas preguiçosas e que não tinham trabalho, maus pagadores, adúlteros, mentirosos e sem afeto nenhum. Teria pelo menos uma história para contar para ilustrar cada um destes apontamentos (ou desapontamentos).

A passagem em questão é a famosa Transfiguração de Jesus diante de Pedro, João e Tiago. Ainda que a questões do pecado, e do erro e engano não estejam presente, um deslumbramento por parte dos apóstolos está bem presente – queriam eternizar aquele momento maravilhoso. É fato que aquilo é também a expressão de uma realidade, mas uma realidade ainda não presente, ainda não possível de ser vivida. Jesus pede a eles que não contem, pelo menos não naquele momento subsequente tal experiência. O que Pedro diz no verso 4 é no mínimo estranho. Ele está assustando, encantando, fora de si. Por outro lado, a experiência deve ter sido tão forte que o deixou com o desejo de leva-la adiante, de eternizá-la, de estendê-la um pouco mais.

A realidade por si só é muito dura. Já ouvi uma afirmação que concordo, pelo menos em parte: ninguém consegue pensar seriamente sobre sua própria vida e condição por mais do que 10 minutos. Isto porque vamos nos deparar com nossas fragilidades, com nossos fracassos e, talvez com o maior medo de todos: nosso fim por meio da morte.

Deste modo, vivemos entre a tensão de dois mundos, dos quais não podemos fazer parte integralmente de forma alguma. Nem tanto a realidade nua e crua porque pode ser paralisante e deprimente, nem tanto a realidade porvir que pode ser alienante e enlouquecedora.

O mundanismo é uma expressão desta realidade nua e crua do aqui agora. O fanatismo religioso é produto deste porvir no agora. Talvez devamos dizer: nem tanto a terra nem tanto ao céu.

A única coisa que o texto parece sugerir quanto ao motivo de Jesus ter permitido esta experiência, é validar seu poder e sua divindade após sua ressurreição (v. 9), e não parece sequer insinuar que tal experiência devesse ser buscada após sua ressurreição.

Gosto muito do diálogo de Jesus com Nicodemus no Evangelho de João no capitulo 3. Principalmente o versículo 12: ¨eu lhes falei de coisas terrenas e vocês não creram, como crerão se lhes falar de coisas celestiais? ¨, ou seja, parece haver uma prioridade no discurso de Jesus, aprenda o que é daqui para entender o que é de lá. Gosto também do que diz Paulo em I Coríntios 7: 29-31, sobre ter e ser deste mundo como se não fosse. Não se apegar, saber que tudo vai passar.

O ideal seria que fossemos perfeitos porque a palavra de Cristo habita em nós, mas não somos. O ideal seria que a igreja fosse perfeita em sua comunhão e serviço porque o Espirito Santo a guia e orienta, mas não é. O ideal seria que testemunhássemos curas, milagres, sinais e maravilhas diariamente e que em nada sofrêssemos, mas não é assim. O ideal seria que não houvesse impedimentos e barreiras na nossa comunicação com Deus, mas elas existem.

Ideal e real: um conflito para sempre!

Pastor Júnior Martins

27 de agosto de 2013

 
0 Ações
Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você Também Pode Gostar