DOIS PAPAS – O FILME

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¨Filme centrado na relação entre o Papa Bento XVI e o Papa Francisco. Produção da Netflix com direção do brasileiro Fernando Meirelles (Cidade de Deus). O filme explora o relacionamento e as visões opostas entre dois dos líderes mais poderosos da Igreja Católica, que devem abordar seus próprios passados e as demandas do mundo moderno para guiar a igreja para frente¨ – Sinopse de https://filmow.com/dois-papas-t240906/ficha-tecnica/.
 
Falo como Pastor Evangélico interessado em cinema e religião. A análise de um filme passa por diversos focos diferentes. Alguns destes pontos de vista ignoro ou não sou capaz de analisar. Até mesmo naqueles que arrogo o direito de algum domínio, ainda sim submeto a juízo e avaliação. 
 
Não há dúvidas que o filme de um viés de reforma da igreja católica desejada por muitos católicos leigos assim como bispos e, ao que parece, até mesmo do atual Papa Francisco. Homens como Hans Kung, amigo de Bento XVI, em seu livro ¨A Igreja tem Salvação?¨ tem um grande arrazoado sobre todas estas ¨desejadas¨ reformas: fim do celibato dos padres, ordenação feminina ao sacerdócio, o ministério leigo, etc. O mesmo livro, segundo muitos, foi o motivo da aposentadoria de Bento XVI.   
 
O tempo que o catolicismo vive é um tempo singular porque temos dois Papas vivos, mas isto já aconteceu em várias ocasiões no passado. Veja abaixo:
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Houve um ano em que a Igreja Católica foi liderada por quatro papas (Ano dos quatro papas), foi o ano de 1276 com a presença do Papa Gregório XPapa Inocêncio VPapa Adriano V e Papa João XXI. Bento XVI é da ordem beneditina, a mais antiga ordem religiosa católica de clausura monástica que se baseia na observância dos preceitos destinados a regular a convivência social.
 
É considerada como a iniciadora do chamado movimento  monacal. Bergoglio, o Papa Francisco, é padre franciscano, ou da ordem de São Francisco de Assis, cujos valores são da Humildade, simplicidade e justiça. Humildade significa acolhida para escutar. Quem abre os sentidos para perceber o maior e o melhor não tem medo de obedecer e mostra lealdade a um grande projeto. Simplicidade é valor de quem sabe colocar tudo em comum, é a coragem da partilha. Justiça é transparência, castidade, verdade. É revelar o melhor de si. 
 
Não há dúvidas que o Papa Francisco tem linguagem e postura reformadora e conflitante com o catolicismo tradicional. Modificações na Bíblia, mudanças na Oração do Pai Nosso, uma postura teológica bastante inclusiva são algumas das posturas observáveis nos últimos anos pelo Papa Francisco. A postura de Bento XVI é muito mais conservadora, mas mesmo assim, apesar das diferenças, Bento XVI parece desejar a presença e a proximidade de Bergoglio.
 
O filme é fortemente marcado por longos e muito bem elaborados discursos. Não é possível perder uma só palavra. Tudo é muito cativante no filme.
 
Apresenta um papa que canta Abba ao mesmo tempo em que afirma que ¨há muitas igrejas bonitas, mas que estão vazias¨. Vazias de gente e de espiritualidade. Uma crítica que não se aplica apenas ao catolicismo. O próprio Bento XVI em determinado momento mostra o que considera uma reprovação divina quando, depois de rezar, a fumaça da vela não subiu, mas desceu.  
 
A tensão na primeira votação do colegiado de bispos mostra a luta entre a ala mais conservadora e a ala mais reformadora e progressista da igreja, mas já representava, como é dito no filme, que a mudança para o para o eixo sul do mundo faziam soprar tempos de mudanças. Num primeiro momento Ratzinger, Bento XVI, representou a vitória dos conservadores e a Reforma é adiada. Há determinado momento do filme, durante a anamnese de Bergoglio, no qual uma série de livros é mostrada em perspectiva, como A Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire, entre outros, mostrando mudanças para o eixo implicando em mudanças na mentalidade a partir das mudanças e lutas vividas na América Latina. Durante a ditadura Argentina os jesuítas foram acusados de se tornarem marxistas por meio dos livros. Durante este período na Argentina, Bergoglio ofereceu a comunhão aos assassinos com o propósito de manter a tranquilidade.
 
O filme pressupõe que os escândalos internos derrubaram Bentos XVI, principalmente aqueles ligados a pedofilia. O filme mostra, segundo a visão do autor, que Bento XVI sabia e era informado sobre os casos, mas resolveu não se manifestar causando nele grande crise de consciência. Entretanto, favorece a imagem do Francisco como alguém simples (residência de Verão), que é informal. Na primeira conversa entre Bergoglio (ainda não era Papa) e Bento XVI não quer usar o latim e apresenta certa quebra de protocolo nas relações entre bispos e Papas. Para Bento XVI o latim não é atraso.
 
Bergoglio se mostra um grande argentino acentuando a influência da cultura em sua vida: ¨tango e futebol coisas de argentino¨. Deste modo, a certa rigidez e inflexibilidade de Bento XVI não seria também produto de sua cultura alemã mais rígida?  
Na primeira conversa entre eles, a simplicidade, o casamento de padres e a questão dos homossexuais se apresentam como temas importantes ente eles que parecem ter visões diferentes. Uma frase chama a atenção dita por Bento XVI: ¨Como você vive é uma crítica, seus sapatos são uma crítica¨.
 
Ambos questionam também, se a igreja é ou não narcisista. A natureza da humanidade é narcisista. Infelizmente, muito do que se pode acusar o homem, se pode acusar a igreja e vice-versa, e por motivos muito óbvios: igrejas são formadas por homens e, a gênese do problema, o pecado, é fator comum a todos nós.
 
Um ponto alto da conversa, em nossa concepção, acontece quando Bergoglio afirma que se sentia um vendedor. Neste sentido, quando algo que oferece ou reproduz é produzido ou imposto por outro e não produtos da própria mente e concepções. Neste momento, Bergoglio tentar mostrar que não é tão diferente e discordante de Bento XVI e, a pergunta que parece balizar a discussão, e que é feita de Bento XVI para Bergoglio é: você está comprometido ou mudou? São duas coisas diferentes. A primeira é quando a visão lhe diz respeito diretamente, ou com a qual não concorda, mas por motivos diversos você decide acatar. A segunda diz respeito a verdadeiros compromissos e convicções. Muitas deduções podem ser feitas de uma pergunta como esta. Ela também gera outras perguntas que podem soar muito perigosas: ¨É uma mudança ou um retorno? Ele diz que Deus muda e evolui!¨ Esta ideia não é incomum na teologia evangélica para aqueles que conheceram, ou conhecem, a teologia aberta ou teologia da abertura de Deus. Entre estes questionamentos levantados ao longo do filme vem a pergunta: Deus ri?   
 
Perigo real para a igreja, e o escândalo que tem movimentado a igreja católica interna e externamente, está dentro da igreja: abusadores ou pedófilos. Há um silencio em determinado momento do filme que acentua este perigo. Bento XVI se mostra inquieto e espiritualmente vazio.
 
Entretanto, apesar da ousadia do filme em sua linguagem de reforma e progressismo, não há qualquer menção direta a uma solução ou mesmo direcionamento na solução dos problemas. Para quem acompanha a vida real, pouco, ou nada, foi feito realmente. Por que um assunto que é objetivamente danoso e escandaloso, continua sendo preterido na igreja católica? Em virtudes destas e outras falhas, Bento XVI se debate com sua vocação, chamado e convicções
 
O filme procura demonstrar a humanidade e bom humor dos Papas. Ratzinger demostra algum bom humor quando afirma ¨quando eu era jovem uns 100 anos atrás¨ ao se referir a música e ao abandono da música pela vida sacerdotal. Ainda afirma que, mesmo para o Papa, é difícil ouvir a voz de Deus. Quanto a Bergoglio, a questão premente é sua decisão na juventude de deixar a namorada, algo com o qual parece ainda sofrer. O incentivo de Bergoglio para que o Papa Bento XVI mostra suas fraquezas (ele está doente com problemas de visão, entre outros) é uma face importante desta proposta de humanizar os Papas. A cena em que ambos dividem uma pizza comprada com o dinheiro de Bergoglio na rua é emblemática. Eles dançam tango e ouvem Beatles.   
 
Há dilemas e questionamentos muito interessantes ao longo do filme e que nos convidam a reflexão:
  1. Ser popular ou ser você mesmo? A popularidade pode custar a sua personalidade. Não é possível ser você mesmo se você está comprometido em ser popular e agradar os outros.
  2. “Não é fácil abandonar-se a misericórdia de Deus” – um compromisso que todo cristão verdadeiro deve se fazer. Confiar plenamente em Deus é algo conseguido por poucos.
  3. Liderar pela forma como vive a vida – a verdadeira liderança nasce daquilo que é natural e real em alguém. Não poderia ser diferente.
  4. “Me escondi atrás dos livros e estudos” – é Ratzinger quem afirma isto. Ele avalia que toda sua intelectualidade foi conquistada pela omissão das questões primordiais da vida e da igreja. Toda falsa intelectualidade é desconectada da realidade.
  5. “A verdade é vital, mas sem amor é insuportável” – Bergoglio citando o livro do próprio Ratzinger que é o Caritas Inveritat.
  6. A visão do filme é totalmente favorável a Bergoglio quando, ao final, a fumaça da vela sobe.

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